Não compreendo o que me dizes.
Não consigo ouvir as tuas
palavras. Agónicas, caquécticas, quase mortas. Não consigo ouvir nada do que
dizes. Não entendo nada do que fazes, do que esperas, do que queres. Também estás
cansada, Amor.
Procuro um ponto na janela, na
parede, no armário, um ponto em que não encontre o teu olhar caído sobre a miséria
da minha existência. Não quero que olhes para mim assim, percebes? Ainda não. Não
precisas gritar, ainda estou aqui. Não te ouço, mas estou aqui. Não te quero
ouvir mas ainda estou aqui.
Falo enquanto te olho nos olhos e
parece que não compreendes o que te digo. Estou há tantos dias a dizer-te que
desejo apenas descansar e te peço que me deixes descansar e tu, na tua agonia,
não me deixas descansar. Espera. Peço-te. Ouve. Imploro-te. Não quero mais
viver assim, percebes? Não posso mais viver assim. Entendes?
Fica em silêncio, apenas por um momento, e ouve o meu corpo a partir. Se me tocares nos dedos, sentes
que o meu corpo está a partir. Estou a morrer e nada do que possas dizer vai
alterar isso. Se me deres a mão em silêncio, tudo é mais fácil.
Talvez eu queira morrer,
compreendes? Talvez eu esteja cansado de habitar este corpo doente, talvez esteja
cansado de trazer o teu olhar sofrido caído sobre mim, a cobrir-me a alma, a
desamparar-me a queda.
Escuta. Não consigo ouvir nada do
que dizes. Sinto o meu corpo a desaparecer. Não sou senão a sombra do homem que
fui, quer era ontem e que amanhã, antes que o dia nasça, vou deixar de ser. Tens
de olhar para o meu silêncio se quiseres compreender o que se passa aqui, neste
lado das coisas inteiras que acontecem fora de mim. Amor, tens de parar de
falar para me ouvires. E o que eu não te digo é que estou demasiado cansado de
continuar a morrer, dia após dia e que, na verdade, só preciso descansar. Só preciso
que me ouças para podermos descansar.
Compreendes?