29/12/2015


Perdoa-me
amor
enquanto te devasto na agonia da violência que habita em mim.

Perdoa
amor
a distância que vai deste lugar em que me desfaço na miséria de ser isto que não chega para te ser

Perdoa-me
amor

se te afogo no fogo que emana das minhas mãos quando te violento

Perdoa
se puderes

tudo o que eu fui sem ter chegado a saber ser

28/12/2015

o inferno começa no devaneio do inverno

07/12/2015

sangUinae


Não consigo mais. A dor por dentro é demasiado intensa. Sucumbo perante a agonia do corpo. Não tolero mais tudo o que acontece em mim e o desejo de desaparecer torna-se cada vez mais premente. De cada vez que pego na lâmina para desferir sobre mim a angústia do fim, algo se desvanece e o acto foge do gesto e acabo por regressar ao princípio de tudo o que recomeça. Quero deixar-me aqui e não regressar. Quero deixar de sentir e de cada vez que a lâmina me tocar fria por dentro da carne desta pele tenho a sensação – por mais ínfima que dure no tempo – que posso fugir de aqui. Não consigo mais. Quando deixamos de ser o que sabemos ser é tempo de seguir. Deixo aqui a lâmina e desfaço-me na angústia de ser eu aqui, por dentro de todos os meus gestos.

02/12/2015

aSfalTo

Silencia as minhas mãos enquanto alastro as asas sobre o asfalto.
Há neve a escorrer-me nos ossos. Sopra.
Crava a tua sede na minha agonia e eleva-me ao lugar reservado aos que morrem sem saber.
Segura-me na ponta dos teus dedos de fogo enquanto refaço o meu nome nas cinzas que permanecem debaixo do teu caminhar.
Há neve a corroer-me a pele. Sopra.
A estrada percorre todas as direcções possíveis e ainda não conheço o caminho que escolhi.
As minhas asas cobrem o asfalto coberto de gelo e as minhas mãos gritam pelo silêncio que vem de ti.
Sopra o resto das minhas cinzas e guarda-me no teu caminhar.

23/11/2015

chEmin


Vejo-te atravessar a recta que te define no sentido descendente. Há um rasgo de agonia que te preenche os passos erguidos das cinzas. Falas para ouvires o som da tua própria voz e sentes as palavras a desvanecerem no sentido que desaparece de encontro ao silêncio que chega com o fim da noite. Sentes as vísceras a queimar-te nas cinzas abertas do corpo enquanto olhas o nascer do dia a erguer-se de dentro da tua pele. Fechas os olhos na ilusão de poderes desaparecer mas logo a dor te recorda como o teu corpo ainda aqui está a tentar renascer das cinzas do incêndio repetido que acontece em ti quando consegues medir o tamanho imenso do deserto que te ocupa no interior do caminho.

 

E não desistes, nunca, de continuar a andar.
choro-te na infinita infinidade do teu sofrimento

frEdo

Faz frio enquanto danço
e quando fecho os olhos.
 
Faz frio quando grito
e quando guardo a dimensão inteira do teu silêncio na palma da minha mão.
 
Faz frio quando sinto
tuas mãos a ameaçarem a estabilidade da minha pele.
 
Salvaguardo o meu silêncio enquanto espero que anoiteça.
Encerro o corpo dentro de mim
e danço.
 
Faz frio enquanto danço.

 

15/11/2015

no reTurn

Sou o silêncio que te reveste a pele
a maré que retorna ao principio da noite
o assobio que te colhe na alma
a magia das estrelas que cedem à queda
Segura-me na mão enquanto atravessamos o rio
Segura-me nos passos enquanto seguimos este deserto
e talvez possamos não chegar a regressar.  

10/11/2015

nuDez


Dispo-me enquanto a noite arrefece.
A pele dos meus pés toca o ranger da madeira. Levemente.
 
Sento-me, sem nada a tocar no corpo, no chão junto à janela virada para a rua. Lá fora ainda não faz tanto frio como dentro de aqui. Reconheço a pele a lutar contra tudo o que sente vindo desta janela. Uma aragem incessante a colocar à prova a sanidade.

Arrasto as mãos pelo odor do meu cabelo. Pouso-as sobre a cegueira dos meus olhos e desço, pelo resto do meu corpo até as pousar sobre a solidão da tua ausência.

O chão ecoa os teus passos. Consigo vê-los na perfeição através das linhas rasgadas na madeira. Sei que minha pele começou a sangrar enterrada sobre as farpas do passado vivido aqui, sobre esta madeira que canta as canções mais antigas.

A casa não fala enquanto a noite se põe. Não cheguei a despertar nenhuma luz pelo que rapidamente o meu pensamento fica tão cego quanto meu olhar. Penso no que penso e encontro já muito pouco. Um pensamento vazio num corpo despido sob o olhar do inverno. Um pensamento inebriado pela intensidade da tua partida.

Encaro a agonia de frente. Sinto as mãos a partirem para o lugar mais quente deste corpo. Coloco um dedo sobre os lábios do deserto aberto em mim e canto o canto dos cisnes pelo interior da noite que me abraça, inteiro, na possibilidade da sua finitude e penso que te irei encontrar. Depois. No interior da minha despedida.  

09/11/2015

memÓria


Recordo-te no odor das urzes na montanha. Sinto o teu corpo no toque da rocha. Ouço o vento pronunciar – baixinho – o nome que te define. Percorro-te nas linhas da tua face com os dedos a tocar na água do rio. Corre sobre mim a névoa das tuas manhãs e o sossego da noite que só acontece em ti. Recordo-te em todos os momentos do dia embora nunca te encontre. Calcorreio os contornos dos teus passos e conduzo-me – em silêncio – até junto do lugar que foi em ti. Guardo-te nos gestos – devagarinho – como se te tocasse ao de leve e entoo o silêncio que habita em ti. Seguro-me nos gritos – suavemente – e sossego os meus medos na memória de ti. E ser assim, o que resta de ti em mim, é só o que é necessário para chegar até amanhã.

efémeRo


A noite começa com a agonia dos dias. Chove ininterruptamente desde que nasci. Nem um dia sequer a chuva parou de cair sobre o que restava de mim. A noite começa com o fim dos dias sobrepostos na mesma cor. Sempre na mesma cor. Sempre no mesmo lugar. Iniciei uma tentativa de fuga que me persegue há vários anos, décadas, eternidades. Tudo em mim é eterno. E efémero. Tudo em mim fica enquanto parte. Tudo em mim parte por não poder nunca ficar demasiado tempo a chover.
Doí-me o corpo quando me sinto na alma. O respirar é sonoro, vagaroso, sem ternura. O corpo balanceia na certeza incerta de continuar a correr, embora parado, embora o tempo tenha cessado na mesma cor dos mesmos dias sem fim.
Talvez seja a eternidade que habita em mim que me permite sobreviver à torrente de água que me segue todos os dias em todas as noites. Talvez seja a efemeridade que espero que aconteça em mim que me impele a continuar, sem parar, a correr na tentativa desenfreada de um dia conseguir escapar a esta chuva eterna.
 
A noite começa na agonia das noites em que a chuva não cessa de cair sobre os corpos perdidos no respirar lento.  

07/10/2015

SadNess


Se fosse possível
descrever a tristeza que sinto
hoje aqui,
dentro de ti,
diria que foi o poema que morreu
e o mundo inteiro se revestiu de negro.

viTae

Encosta o teu peito à minha mão. Vamos tentar respirar juntos. Estou a morrer por dentro. Não digas a ninguém mas o meu corpo está doente, está a cair, está sem fé. Encosta o teu peito ao meu peito e vamos sobreviver juntos. Guarda o que restar da tua esperança e segura-me com a ponta da tua língua. Abraça-me enquanto me tocas por dentro e me fazes sentir vivo. Encosta a tua mão à minha testa e beija-me por dentro, no lugar onde só tu sabes chegar, onde só tu podes chegar. Vamos partir juntos mas tu ficas enquanto eu já não vou poder regressar. Encosta a tua pele à minha coragem e ouve-me a partir. Depois vive o que nos faltou viver.

desespero


Podemos ser o milagre que acontece quando a desesperança é tudo o que permanece?

seGunDo


Leva apenas um segundo a desentorpecer a revolução visceral que acontece dentro de ti. Leva apenas um segundo se puderes aguardar. Começo por retirar a carne das unhas. Depois rasgo-te o peito com a navalha que me veleja a pele. A seguir corto-te o que restar do cabelo até perderes a força. Depois ajoelho-me nas tuas costas e peço-te perdão baixinho, em segredo, para que quase não me possas ouvir enquanto a dor te doer em todos os cantos da tua violência. Entoo uma melodia de embalar enquanto te flagelo com as lanças que me consomem os pensamentos. Cubro-te com um pano negro para esconder o sangue enquanto gritas por dentro. Transformas-te no animal que tens escondido dentro da tua angústia depois de todo o tempo que navegou por entre nós. Recordas os mortos que te fazem falta e cais de joelhos a meu lado. Podemos chorar aqui que ninguém nos ouve. Podemos acabar de dilacerar o que resta de nós nesta vida morrida sem ter sido vivida. Perdemos demasiado tempo a tentar perceber o porquê de sermos assim. Perdemos demasiado tempo. Resta apenas um segundo. Um segundo para nos refazermos dentro da miséria que reside em nós e a recomeçar a tentar viver.

27/09/2015

ilHa


O tempo tem sido gentil aqui.
Nenhuma intempérie atravessou as mesmas veredas do que eu. Desci sobre o centro da terra, calcorreando os seixos negros antigos sob os pés descalços.

Senti  a terra correr como uma corsa liberta à gravidade das montanhas. A água escorria sobre os socalcos roubados às escarpas infinitas. Lá em cima, no cume mais a norte, o mar cantou para embalar as nuvens que embatem e se esbatem nos picos.
Havia água a escorrer em cada canto. A terra inteira a mergulhar na água, na sua demanda ou no seu afastamento. Acabei  por me quedar nas levadas junto com as folhas que anunciavam um outono antecipado.
O tempo foi gentil aqui.
Sobrevoei as escarpas negras e escarlates e as cinzas esconsas. Carreguei o corpo no basalto e desfiz-me na praia. Contei os seixos negros que me acariciavam na pele e roubei a liberdade ao sol nas asas de um francelho.
Abandonei-me como só o mar sem fim permite e esqueci o continente.
Por breves momentos, o tempo foi gentil comigo.

16/09/2015


Sou o que resta do teu amor quando as marcas na areia desaparecem na espuma revolta das ondas de sal.

Começa a fazer frio quando ficamos sós. A chuva instala-se a aguardar o momento certo para iniciar a sua queda. A chuva, ao contrário dos anjos, não tem direito a ter asas. Cai directa, no sentido pressentido da gravidade de todas as coisas que são. Direita à terra, directa sobre o que fica quando o que nos faz ser termina.
Sento-me na linha do horizonte azul e espero.
Respiro fundo até ao fim da minha capacidade e sobrevivo.
Ergo as asas de frente para o vento e aguardo.
Deixo que o mar termine de contar o tempo da lua e aguardo.
Confiro que tenho tudo o que preciso guardado nas mãos e voo.

11/09/2015


É como se agora tivesse tanto sangue na ponta dos dedos como dentro do olhar. Como se as palavras que escrevi fossem feridas mastigadas na corrente de uma agonia eterna.
Como se nada, nunca, verdadeiramente pudesse ficar completo.   

09/09/2015


Diz-me o que vês quando olhas para a terra aquecida sobre teu andar. O que sabes quando ouves o que o mar traz no começo da manhã. Sim, é na certeza incerta do que chega com o começo da manhã que te olho e me alimento da inevitável fuga. Se era isto que querias, podias tê-lo dito antes. Podias tê-lo dito a tempo. Agora sou eu que caminho mas a terra está arrefecida sobre as minhas penas. Sobre o meu (des)fado. Sobre as minhas raízes em ruptura com a equilibrada agonia do teu desamor. Cada parte do meu corpo se desfaz em vento quando me abandonas, lento e entorpecido, caído sob o segredo das noites inebriantes de verão e desfeito sobre a terra (des)aquecida sobre o andar da tua partida.

04/09/2015


Tenho medo do que acontece em mim quando fecho os olhos.

03/09/2015


Doí-me nos olhos a memória do que não vi.
Há palavras que me desaparecem das mãos e deixo de as poder encontrar.
Sonho com o silêncio que se encontra debaixo de água e seguro-me na certeza que um dia não irá ser mais preciso falar.

01/09/2015


Escovo-te no cabelo o olhar triste dos dias que não findam. Deixo que as mãos abracem o teu corpo enquanto inspiras um segredo sagrado. De pele despida sobre o chão frio, caminhas sobre as pedras como quem caminha sobre o fogo e não conhece a ânsia de chegar. Sentes-te a queimar e ainda assim intentas dançar sobre as arestas da tua sanidade. Tua pele a arder no corpo frio e sentes absolutamente nada. Olhas-me na tristeza dos dias que se fundem nas noites eternas e soltas o cabelo sobre o corpo desnudado. Deixas-te respirar no vazio da partida e segredas-me ao ouvido o quanto as minhas mãos te são sagradas.

31/08/2015


o teu silêncio
é
a certeza
que
não posso
avançar
mais nenhum
passo
descalço
deste caminho
de
vidro

Respira-me na pele e toca-me. Aperta a minha solidão contra a tua agonia e devasta-me na chuva.

O resto não importa. Deixa que a maré suba até engolir a praia inteira.

Arrasta-me na tua insensatez e evade-me num resquício onírico sem tempo para terminar.

Lambe-me na pele as cicatrizes da minha tristeza e podes depois rasgar a carne na tua boca. Prometo que não vai doer.

Dilacera-me.

Respira-me na tua alma e salva-me.

Devasta-me.

Vira-me de costas e sente-me a gritar no silêncio da noite vazia.

Aniquila-me.

Olha-me de frente e perde-me no tempo.

O resto não importa.

Deixa que o mundo inteiro termine enquanto nos desfazemos na chuva.

gIn


Está a terminar o tempo.

Estou aqui a ver a minha vida a terminar. Em redor de mim amontoam-se corpos deformados sob a minha imaginação. Sinto o ácido a correr-me nas veias, a descer-me na garganta, a aniquilar-me (n)as palavras. Pouco de mim resta agora que a vida está a terminar.

Olho para o espelho que me colocam em frente e repenso o passado. O que vivi, o que soube saber em mim, o que destrui, ao que faltei e que podia ter sido.

Remeto-me aos lugares mais distantes da pessoa que fui e acredito que não foi o suficiente. Não fiquei vivo tempo que chegasse para tudo o que me faltava.

Bebi a minha vida em noites devassas e devastadas. Sorvi o orvalho da manhã e a tristeza das noites. Dormi com a certeza de que outro corpo me guardava e também enfrentei o terror da solidão, vezes e vezes sem conta.

Deixei-te. A ti e aos outros para ser só eu e olha no que me tornei. Um corpo moribundo e imóvel sobre esta cama nefasta. A desfazer-me. A morrer-me.  A desaparecer-me.

Está a terminar o tempo. Tenho um gin tónico deitado sobre o copo que me abraça na solidão deste corpo. Sabes que quem sabe que o seu corpo vai morrer, assim tão em breve, consegue conhecer os limites mais improváveis da mais terrível das solidões passíveis de existirem dentro de nós.

Recordo o teu abraço e abraço-me em mim.

Estou a terminar.  Agora não tenho medo mas não tenho mais ninguém aqui.

Terminou o tempo.
 
Vou terminar hoje o que tínhamos começado.
Vou  deixar este lugar e cessar tudo. De uma só vez.
Não precisas tentar dissuadir-me. Não há mais nada porque continuar.
Não adianta segurares-me na insensatez do teu desespero. Não vou olhar(-te) para trás.
Vou terminar o que começámos hoje. De uma só vez.

19/08/2015

incênDio


Há lágrimas feitas de sangue no resto das cinzas do que a terra tem a arder em si mesma e que o vento faz parecer navegar sem rumo. Se fechares os olhos e vires, sentes o outono a chegar na luz do fim do dia. Sabes o frio que vem depois do fogo e a angústia da perda que permanece depois de tudo o que falta arder finalmente desaparecer no vento da terra acinzentada.

sanGria


Ensaio a continuidade dos gestos no contraponto da exaustão.

Devasto a fraqueza na ilusão de que é possível chegar um pouco – nem que seja apenas um pouco – mais longe do que o aqui.

Confronto a imagem no espelho e recuso a sua agonia. Recuso a sua palidez. Recuso a sua essência.

Coloco as mãos sobre o movimento do corpo e sigo. Como se não houvesse mais nada que fosse possível esperar da vida senão a contínua tentativa da continuidade da exaustão de todos os gestos que dançam em mim.

cannis


Abandonado numa casa vazia. Encontras restos do que era antes por cada canto perdido na sujidade do tempo. Procuras que o silêncio resvale enquanto choras mas, na verdade, continua lá toda a imensidão que vem com as coisas que estão vazas de vida.

Anseias o momento em que te abrem a porta e te aliviam a infinitude da tristeza. Tocas, ao de leve, as mãos que te chamam e logo te remetes à certeza de que não há outro lugar onde possas ter lugar. Abandonas-te no abandono que caiu sobre tua pele e quase que esqueces o motivo que te mantém vivo.

Olhas com o olhar de quem teme o que pode vir das mãos que te não seguram e recuas. Recuas na imensidão da insalubridade que te rodeia. E remetes-te à espera. À espera daqueles que te abandonaram porque sabes que, um dia, regressam para ti.

14/08/2015


Queria escrever-te no desenho da luz que cai do sol no fim da tarde. Queria desenhar-te nas letras das minhas palavras de cada vez que a tarde mergulhasse na luz.

Mas tu
nunca ficas
o

tempo
suficiente
para te poder
colocar
 num qualquer

papel.

13/08/2015

susPensão


Estou suspenso no resquício do silêncio que fica quando não chegas a partir. Procuro nas páginas dos livros bafientos as memórias das coisas que me disseste de cada vez que tentavas partir. Morreste. Morreste há tempo de mais e eu ainda te encontro em cada fracção do pó que coloco sobre os meus livros cansados de existirem em função da tua partida. Não faz sentido estares sem estares aqui. Talvez tenha sido eu quem primeiro partiu mas a verdade é que te aguardo na espera dos tristes que não sabem mais do que permanecer. Suspenso. No. Silêncio. Que. Resta. De. Cada. Vez. Que. Deixas. De. Estar. Aqui.  
Pego nas tuas palavras e vou ao âmago do erro.
Giro em torno de cada pedra que se impõe no teu caminho até que o sentido regresse.
Exalo os odores que são no apodrecer do tempo e resvalo na direcção que vai de encontro ao outro lugar.
Fecho os olhos no terror da noite e aguardo que o erro me desfaça nas pedras das palavras.

01/08/2015

Não se precisa dizer absolutamente nada. O silêncio que se faz dentro das palavras por dizer é um lugar de conforto quando lá fora só se ouvem os restos bélicos de diálogos vetados à existência de qualquer verdade. Não é preciso que digas seja o que for. Na verdade, nem sequer te quero ouvir. Escusas de começar a entoar seja que melodia for. Nem precisas dizer meu nome. Soa mal na tua voz. Perde a sua verdade.
Se ficares aqui vais desaparecer na sombra do tempo e vais chegar apenas ao que resta quando tudo em nós nos abandona. E isso é a única verdade possível de existir hoje, aqui.

30/07/2015

abUlia


Seguro vidros nas mãos fechadas. Só até deixar de sentir. Só até o sangue começar a cair.

Seguro as palavras mastigadas no vento imolado na sensação da chuva que vai começar a cair. Só até a chuva começar a cair.

Seguro os gestos em abulia e temo o que vai começar a cair. Só até o que vem começar a cair.

Depois posso respirar.

29/07/2015

fuGa

Um movimento incessante de passos. Portas que se abrem e se encerram sobre si mesmas vezes e vezes sem conta. Passos que não terminam de calcorrear a madeira deste chão cansado. Gritos velados dentro da pele nauseabunda e o corpo a ceder ao descontrolo. Passos que se prendem nos movimentos feridos e encarceram em definitivo a possibilidade de fuga. A certeza da inevitabilidade da queda a devastar a intenção de uma qualquer possível cena passível de ser outra coisa que não isto que acontece aqui. Os passos a invadirem o silêncio e a queimar os poros da pele dos dedos desfeitos na tinta. Tudo o que acontece aqui, agora, acontece porque os passos não são apenas passos mas são partes pisadas de uma qualquer outra coisa que não teve tempo de aprender a fugir a tempo.

28/07/2015

oraÇão


O vento do norte chegou aqui. O fogo alastra sobre as colinas a rasgar o ventre da terra.

Que milagre pode ser se a terra cessar de arder?

Este é o lugar em que o fogo consome as gentes e os saberes. Em que tudo se perde. Em que as cinzas nos povoam sem misericórdia.

Senhor, tende misericórdia.

Que milagre podemos ser quando cessamos de arder?

25/07/2015

rUa


Seguras a minha mão na tua mão enquanto me perco nas ruas desta cidade. Movimentos e gestos de gente que perduram no tempo, que se suspendem em mim mesmo depois da sua passagem. Sinto-te no toque de mim de cada vez que respiro, em tudo o que ouço, em tudo o que sinto e em cada quase palavra que profiro e em todos os momentos em que me movo.
Aconteces em tudo o que existe em torno de mim. Sinto-te com a certeza das coisas que são em si mesmas nos momentos em que as vivemos e aqui estás tu sem, na verdade, estares. És a parte de mim que eu não posso, nunca, ignorar. É como se estivesses sempre, em cada passo do meu caminho, a segurar-me nos dedos da tua mão.

23/07/2015


pode ser
que tu
possas ser
a letra
que falta
na palavra
que pode
de certa forma
completar
o poema
que
quase que
existe
em qualquer lugar
que fica
depois
de aqui.
 

 

maTTina


Há um silêncio diferente quando a dor cessa de doer. Segura as sombras com os dedos e vê o silêncio que permanece. Inala o fumo que atravessa a madrugada e sonha com o que rasga o tempo e se torna eterno. Não questiones a ordem de tudo o que acontece em torno da tua solidão. Repara os erros e remete tudo para o lugar mais brando da tua angústia. Silencia o fervor que te atravessa o respirar. Segura-te nas sombras que os teus dedos reproduzem nas paredes brancas e evita o que não consegues ver. Recorda cada palavra que sabes como certa e sente tudo o que o mundo te oferece. Não hesites. A dor cessa de existir assim que a deixares de a saber em ti. Procura-te nas memórias do tempo que já não pode ser e encontras coisas que ainda faltam. Abandona-te nas ruas vazias da noite da cidade para te reencontrares no lugar certo. Segue, ainda que teus pés dancem despidos sobre o asfalto aquecido pelo terror do verão, sem parar nunca. Até chegares ao rio. Até chegares ao silencio que vem com o início da manhã.

riEn

Je suis comme les choses que ne finissent jamais.
Tu es comme les chemins qui courent par tout.
Nous sommes comme les animaux et on ne sait jamais ce qu’on a besoin.
Je suis en train de devenir presque rien. Je suis en train de devenir comme la pluie que ne tombe pas. Je suis tous que va finir jusque au même temps que tu t’en vas.
Il faut pas que tu me regardes maintenant. Ce n’est pas nécessaire. Tu es tout ce que deviendra finir demain.
Il y a une bataille entre mon âme et tes ailes. Tu es un oison et je sus seulement la pluie en train d’arriver.

19/07/2015

 
 
Pisa-me nos passos. Repete-me nas palavras. Ama-me nas noites finitas. Guarda-me nos segredos mais profundos. Navega-me no deserto. Repete-me nas palavras. Transfere-me nos gestos. Agride-me na dor. Cala-me na agonia. Aniquila-me no teu corpo vazio. Devasta-me na embriaguez da tua solidão. Solidifica-me na minha incapacidade. Ama-me nas noites acabadas. Entrega-me aos corvos e às marés. Dá-me o que te resta e desaparece. Pisa-me nos passos apagados na areia que se não move mais. Transpira o teu odor na minha pele. Move-te sobre mim até eu morrer. Afasta-me de tudo o que não interessa para nós. Remete-me ao lugar das coisas por saber e dá-me o que encontrares. Segura-me na tua angústia enquanto eu te ancoro. Navega-me na minha solidão até eu me esquecer de mim. Ama-me até não haver mais tempo. Descobre-me nas preces mudas e nas palavras velhas. Desvela-me na invencibilidade da tua alma e deixa que eu te prometa nunca partir. Sonha-me nas noites de chuva e ama-me na eternidade do inverno que se abre em nós. Leva-me de cada vez que fores para regressares sempre ao lugar em que aconteces em mim. Lava-me no rio salgado e sente as marés que te afagam na certeza de mim. Guarda-me nos teus sonhos e ama-me. Solidifica-me na tua capacidade. Perdoa-me na dor de ser eu em mim e lambe-me as feridas com o sal da tua alma. Respira-me de cada vez que inalares e sente-me a ser tudo o que acontece em ti. Eleva-me ao expoente máximo da certeza e deixa-me repousar. Acredita-me de cada vez que te amar nas noites cegas e toca-me para te saberes infinitamente aqui. Permite-me voar sem que te movas. Sente-me a guardar tudo o que te faz ser em ti e verás que sou o lugar em que podes sempre voltar a terminar e a recomeçar. Canta-me nas madrugadas em que todos os pássaros te entoam e não terás dúvidas do quanto te amo. Cansa-me com as tuas palavras e faz-me correr sem parar. Ouve-me a sorrir de cada vez que te vir entrar. Navega-me no deserto da minha solidão e não permitas que me perca de ti. Embala-me na tua poesia e deixa-me ser quem sou. Escuta-me enquanto choro e meu pranto será teu farol. Guarda-me nos teus sonhos e existe-me. Sente-me de cada vez que te perderes e reencontrarás o caminho. Levanta-me de cada pedra do caminho e chama-me pelo nome. Guarda-me nas tuas feridas para que as cure sem que o chegues a saber. Respira-me de cada vez que perderes a vontade. Afasta-me dos corvos e deixa-me nas marés. Rouba-me as estrelas e dou-te o universo. Segura-me na tua imensidão e permite que descanse. Eleva-me na tua agonia e deixo-te gritar até à extenuação. Segura-me nos gritos e guardo-tos no silêncio de mim. Descobre-me nas preces cegas. Dou-te o que me resta e permanecerei, para sempre, aqui.
 

 

17/07/2015


Nascem moribundos
mortos-vivos
pululam pelo mundo
espectros espectrum
campos da minha consciência
Quisera saber
se sou mais um
nesse mundo morto.

 


Raimundo, Lisboa, 2015
 
encontro de hoje. encontro sem sentido.
um poeta perdido dentro do homem dentro de si mesmo.
aqui a homenagem possivel fazer  em suas palavras.


Um grito se ouviu
o comboio apitou

mortificada a alma
ao rio chegou.

Neste porto, uma palavra amiga
Oh amor! menti?

Também a ti?
Não me queiras mal assim
ainda não sei quem sou.

 

Raimundo, Rio de Janeiro, 1974
encontro de hoje. encontro sem sentido.
um poeta perdido em si mesmo.
aqui a homenagem possivel fazer  em suas palavras.

igReja


Cheira a flores e a corpos mortos. As pedras no chão sem tempo revelam os seus sinais de um cansaço profundo. Há restos de fé em todos os cantos, em cada fragmento de cada objecto. Bancos envelhecidos na madeira do tempo evocam angústias e culpas sem nome, sem rosto, sem saudade. Milhares de almas aqui gritaram em sofrimento e na demanda eterna da possibilidade da salvação. Aqui, a ideia de salvação pela fé ocupa todo o peso dos odores insuportáveis. O meu corpo morre na certeza de que aqui não há salvação. Aqui, neste lugar escurecido pelo medo, as vozes entoam preces desacreditadas e desanimadas. Morremos mais cedo aqui. Cheira a flores e a mortos.

14/07/2015


Há um fino fio de amargura de cada vez que fecho a porta e uma parte de mim permanece em suspenso. Fecho os olhos para saber a culpa e o frio regressa à pele, fero e libidinoso. Mergulho na sedução da noite vazia iludindo o corpo numa possível entrega que mais não é do que a queda de um anjo ensaiada na vertigem de uma mentira selada. Há uma ténue angústia marcada pela ausência de qualquer certeza. Não saber nada é saber tudo no sentido inverso. É estar sem poder ficar. Partir sem saber avançar. Esquecer sem conseguir lembrar. De cada vez que me ausento, de cada vez que fecho a porta, há uma mágoa que parece não poder terminar e que me deixa suspenso em névoa. Fecho os olhos e quedo na culpa incerta de ser apenas minha.

12/07/2015


De novo a náusea a acariciar-me a angústia. Eleva-se por dentro do corpo e invade a inteira dimensão da pele. Expira de cada vez que inalo o ar apodrecido em redor desta areia. O mar parou. Não se move. Eu parei. Nada se move. Não consigo dormir. Não encontro lugar onde guardar a minha raiva. Consumo-me por dentro. Devasto-me na acidez da contrariedade e desisto. Olho de frente o mar parado e desisto. Conto até três e desisto. Expiro e desisto. Cesso. A angústia a acariciar-me na náusea. Termino enquanto sonho com o mar.

10/07/2015

XIV


Again the dust is crawling up the space in my mind.
I don’t want to change my memory. I can’t.
I must stand here, in the rain, for as long has it takes.
The music is playing in my head. Over and over again.
I can’t sleep tonight.
Not until you get here.
O mundo é um lugar reservado às coisas que nunca terminam. Podemos avançar ou recuar, mas nada chega, verdadeiramente, a terminar. Há um recomeçar constante. Um ciclo em permanência. Uma viagem em torno de todos os lugares da terra. Por isso podes chegar mais perto. Podemos mover-nos juntos, em simultâneo, no mesmo lugar do tempo. Usar o mesmo momento, o mesmo espaço, existir como se fossemos apenas um. Chega mais perto. Preciso respirar. Tu ensinas-me a respirar quando existes aqui. Não tenhas medo, é só um pouco mais perto. Assim eu respiro. Assim eu sobrevivo. Aí. Podes esperar exactamente aí. A manhã pode demorar a chegar e assim pelo menos não nos sabemos tão absolutamente sós. O fumo cerca-nos como se não fosse mais possível respirar na infinidade da noite. Pode alguma coisa mudar enquanto atravessamos a parte escura da noite? Podemos ser nós mesmos perante a imensidão da vulnerabilidade de estarmos aqui, absolutamente desprovidos de corpo e de asas? Talvez juntos seja possível conseguir. Talvez se nos mantivermos juntos, a manhã chegue e seja possível descansar sem medo. Se tudo no mundo está em permanente movimento, vou segurar tudo na ponta dos dedos enquanto danço. Vou segurar-te inteiro nos braços enquanto canto. Vou segurar-me inteiro na desordem enquanto respiro. E se as nossas asas se encontrarem, no mesmo lugar do tempo, vamos reconhecer os sinais, saber os passos do caminho e vamos poder avançar, sem ter medo, sem estarmos tão sós, a caber um mundo inteiro dentro do nosso abraço.

09/07/2015

diÁlogo


- Não sei.
- O quê?

- Não sei mais o que fazer.
- Em relação a quê?

- A tudo.
- Tudo o quê?

- A isto.
- O que é isto?

- Não sei.
- Porquê?

- Não quero saber.
- Então não precisas de saber.

- O quê?
- O que é isto.

- Porquê?
- Não sei.

- O quê?
- Nada.

07/07/2015

siLvas


Não quero ir para lado nenhum. Compreende?
Só quero ir para minha casa.
Isto que me treme nas mãos não sou eu, é ele, são eles, mas não sou eu. Se não fossem eles, se não fosse ele, eu podia ser eu. Mas assim, não. Assim é ele, e eles e nunca eu.
Já todos são eu menos eu.
 Isto é uma tristeza infinda. Compreende?
Não quero ir para lado nenhum.

soNNo

Estou quase a chegar. Demoro-me na noite mais do que o que devia e depois perco-me. Acabo sempre por me perder da noção, por me evadir do tempo. Demoro-me na intenção de ti mais do que o que podia e depois afogo-me. Desfaço-me em mim mais do que conseguiria se quisesse, verdadeiramente, desaparecer. Estou quase a chegar. Todos os movimentos que faço são lentos no gesto mas cheios na vontade. São vazios no conteúdo mas estruturados na forma. Existem sem serem. São, na verdade, sem existirem. Meros reflexos da minha ansiedade que deposito em eventuais imagens - eventualmente reais - da memória da infelicidade de ser o meu próprio acto falhado. Repito, para mim mesmo, que estou quase a chegar. Lembro-me de alguém a corrigir-me as palavras – não, os erros – não, as lacunas – não, os esboços – não, o sangue –não, as palavras mesmo e esqueço do que deixei escrito nas paredes – não, no chão – não, no cimento- não, na calçada onde o resto da minha dignidade desapareceu na intenção de ter chegado a tempo de abraçar o sono.

02/07/2015

duVida


Se eu começar do princípio, tu vais entender?

Se te explicar tudo o que vive e o que morre em mim, tu vais conseguir escutar?

Se eu não te disser o que te digo, tu vais saber o que falta?

Se eu te perguntar que lugar é este em que inevitavelmente vou acabar por desaparecer, tu saberás dizer-me?

Se eu não chegar até ao lugar em que tu te imobilizas e te suspendes numa quase apneia, de que terá servido tudo isto?

Talvez seja tudo apenas um acto poético em que nos abandonamos, em breve, para recomeçar noutro lugar reservado ao segredo do silêncio que reside, separadamente, dentro de cada um de nós.

01/07/2015


Vou lembrar-me de tudo. Quando chegar a hora. Quando regressar o tempo. Vai ser da mesma forma que foi sempre. Todos estes anos. Todo este tempo. Vou recordar-me de cada fragmento da tua partida. Vou reconstruir cada passo que dei no caminho para o meu desespero. Vou-me desfazer em pó e vou desaparecer na memória de ti. E depois vou remeter tudo ao lugar em que se guardam as coisas sagradas. Vou querer não recordar nada e tu vais abraçar-me durante a noite. Como se nunca tivesses desaparecido todo este tempo.

dAnza


danço
na estável instabilidade da vertigem
meu corpo
abraça a eternidade da chuva que regressa inevitavel
tua  alma
segura a destruição que acontece quando enlouqueço

somos tudo o que acontece
por detrás do silêncio do que fica
em suspenso
entre o começo e o fim

entre o aqui e o agora
entre tudo o que não chega a poder ser e o que foi

entre o que és e o que resta de ti em mim

 danço
na destruição que a chuva provoca na instabilidade de ser eu aqui.

29/06/2015

ars moriendi

Não compreendo o que me dizes.
Não consigo ouvir as tuas palavras. Agónicas, caquécticas, quase mortas. Não consigo ouvir nada do que dizes. Não entendo nada do que fazes, do que esperas, do que queres. Também estás cansada, Amor.
Procuro um ponto na janela, na parede, no armário, um ponto em que não encontre o teu olhar caído sobre a miséria da minha existência. Não quero que olhes para mim assim, percebes? Ainda não. Não precisas gritar, ainda estou aqui. Não te ouço, mas estou aqui. Não te quero ouvir mas ainda estou aqui.
Falo enquanto te olho nos olhos e parece que não compreendes o que te digo. Estou há tantos dias a dizer-te que desejo apenas descansar e te peço que me deixes descansar e tu, na tua agonia, não me deixas descansar. Espera. Peço-te. Ouve. Imploro-te. Não quero mais viver assim, percebes? Não posso mais viver assim. Entendes?
Fica em silêncio, apenas por um momento, e ouve o meu corpo a partir. Se me tocares nos dedos, sentes que o meu corpo está a partir. Estou a morrer e nada do que possas dizer vai alterar isso. Se me deres a mão em silêncio, tudo é mais fácil.
Talvez eu queira morrer, compreendes? Talvez eu esteja cansado de habitar este corpo doente, talvez esteja cansado de trazer o teu olhar sofrido caído sobre mim, a cobrir-me a alma, a desamparar-me a queda.
Escuta. Não consigo ouvir nada do que dizes. Sinto o meu corpo a desaparecer. Não sou senão a sombra do homem que fui, quer era ontem e que amanhã, antes que o dia nasça, vou deixar de ser. Tens de olhar para o meu silêncio se quiseres compreender o que se passa aqui, neste lado das coisas inteiras que acontecem fora de mim. Amor, tens de parar de falar para me ouvires. E o que eu não te digo é que estou demasiado cansado de continuar a morrer, dia após dia e que, na verdade, só preciso descansar. Só preciso que me ouças para podermos descansar.
Compreendes?

28/06/2015

aPerto


Enlaço as cordas nos dedos, nas mãos, nos braços. Aperto. Com força. A pele altera o tom e os dedos gritam enquanto procuram tua pele. Aperto. Sinto o suor a escorrer-me nas costas enquanto imagino teu corpo a completar o meu. Aperto. As cordas a saberem a sangue. Os dedos a saberem a suor. A tua pele a saber-me, inteiro, despejado em ti. Vazio. Cansado. Quase a desaparecer, quase a não chegar ao lugar certo. Enlaço as cordas nos teus dedos enquanto retomo consciência da dor em mim. O corpo a latejar, a pele a arder, o sangue parado num pensamento suspenso na agonia. Respiro enquanto aperto as cordas em ti. Junto aos dedos. Junto aos braços. No pescoço. Perdoa-me. Estamos quase a desaparecer. Aperto. Sinto a minha pele a desfazer-se na tua enquanto me seguras nos pulsos e olhas em frente. Aperto. Sinto o sangue a latejar. Aperto. Com mais força. Até perderes a cor.
 
 
Até desaparecermos completamente.

27/06/2015


Se fosses letra,
eu seria palavra.
 
Se fosses silêncio,
eu seria tempo.
 
Se tu solidão,
eu seria o espaço.
 
Se tu o mar,
eu seria maré.
 
Se tu fosses palavra,
eu seria oração.
 
Se tu fosses em ti,
eu encontrar-me-ia.

tEla


Estamos a chegar ao mesmo sítio de sempre. Andamos, andamos e regressamos sempre ao mesmo local. Aniquilamos sempre as mesmas memórias. Vazamos sempre as mesmas veias. Agarramos sempre a mesma distância. Sofremos sempre o mesmo desamor. Não importa continuar a tentar.
Pinto as tábuas no chão para saber o caminho. Se caminhar sobre a solidão da noite, talvez já não me perca, talvez já não me iluda. Talvez consiga ver os meus passos a vazar o caminho. Sem sentido. Sem significado. Uma harmoniosa desarmonia da alma no tropeçar do caminho.
Avanço, com a certeza de quem não sabe para onde ir, a temer a queda. A saber, como só quem já desapareceu sabe, que há pouco onde chegar. Não há mistérios que não terminem. Não há luares que não se repitam. Não há dores que cheguem, de facto, ao fim.
Pinto as paredes para reconhecer o lugar onde o embate termina. A parede que cai sobre as minhas asas é a mesma que te escondeu em si. Destroços sobre a tragédia da incapacidade que reside em nós, interminavelmente.
Rasgo as unhas nas tábuas e esculpo as mãos no chão. Para que a noite me conduza no caminho vazo de mim e me encontres, no final da mágoa, como uma harmoniosa tragédia caída sobre a ilusão das memórias rasgadas sobre uma alma exausta de ser, em si mesma, absolutamente nada.

23/06/2015

silÊncio

                    
                                                           choro. 
o silêncio é vertigem aberta em mim.
fecho os olhos sobre as lágrimas,
                                                   canto.
a música é magia descoberta aqui.
                                                    rezo.
arrasto a morte sobre o corpo envelhecido
aguardo que a fé consiga chegar.
                                                    choro.
fecho os olhos sobre as lágrimas
                                                    e espero.

21/06/2015

é no momento exacto
em que me olhas
que sei,
com a certeza do poema que me abraça,
que não existem mais palavras para dizer o indizível,
segredos para reconhecer o inegável,
razões para saber o icognoscível,
limites para sentir o que a fé professa.

fOgo

De novo, são as palavras que me deixam. Voltaram por breves momentos e agora iniciam o seu regresso ao lugar em que as, repetidamente, volto a enterrar.
O calor devasta o que resta da terra. Pouco vai ficar aqui depois do vento  deste tempo passar. A terra a arder na pele do tempo e tudo se imola em si mesmo num gesto triste de desespero.
Segura-me a pele enquanto eu termino de desaparecer. Enterra os teus dedos nas feridas da minha carne aberta ao sol e permite que eu seja um pouco menos do que era suposto. Vou esconder o grito, vou tolerar a dor, vou arder com o resto das cinzas.
Há um peso que não termina de me puxar de encontro a gravidade e estou certo de que a terra me vai consumir em breve. Não há nenhum vento que me leve daqui, não há sinais de que o calor possa esvair-se nas palavras e sinto não haver mais salvação possivel.
Regresso ao lugar em que me enterro e vou ficar sem palavras enquanto o fogo me devasta a alma.