27/09/2015

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O tempo tem sido gentil aqui.
Nenhuma intempérie atravessou as mesmas veredas do que eu. Desci sobre o centro da terra, calcorreando os seixos negros antigos sob os pés descalços.

Senti  a terra correr como uma corsa liberta à gravidade das montanhas. A água escorria sobre os socalcos roubados às escarpas infinitas. Lá em cima, no cume mais a norte, o mar cantou para embalar as nuvens que embatem e se esbatem nos picos.
Havia água a escorrer em cada canto. A terra inteira a mergulhar na água, na sua demanda ou no seu afastamento. Acabei  por me quedar nas levadas junto com as folhas que anunciavam um outono antecipado.
O tempo foi gentil aqui.
Sobrevoei as escarpas negras e escarlates e as cinzas esconsas. Carreguei o corpo no basalto e desfiz-me na praia. Contei os seixos negros que me acariciavam na pele e roubei a liberdade ao sol nas asas de um francelho.
Abandonei-me como só o mar sem fim permite e esqueci o continente.
Por breves momentos, o tempo foi gentil comigo.

16/09/2015


Sou o que resta do teu amor quando as marcas na areia desaparecem na espuma revolta das ondas de sal.

Começa a fazer frio quando ficamos sós. A chuva instala-se a aguardar o momento certo para iniciar a sua queda. A chuva, ao contrário dos anjos, não tem direito a ter asas. Cai directa, no sentido pressentido da gravidade de todas as coisas que são. Direita à terra, directa sobre o que fica quando o que nos faz ser termina.
Sento-me na linha do horizonte azul e espero.
Respiro fundo até ao fim da minha capacidade e sobrevivo.
Ergo as asas de frente para o vento e aguardo.
Deixo que o mar termine de contar o tempo da lua e aguardo.
Confiro que tenho tudo o que preciso guardado nas mãos e voo.

11/09/2015


É como se agora tivesse tanto sangue na ponta dos dedos como dentro do olhar. Como se as palavras que escrevi fossem feridas mastigadas na corrente de uma agonia eterna.
Como se nada, nunca, verdadeiramente pudesse ficar completo.   

09/09/2015


Diz-me o que vês quando olhas para a terra aquecida sobre teu andar. O que sabes quando ouves o que o mar traz no começo da manhã. Sim, é na certeza incerta do que chega com o começo da manhã que te olho e me alimento da inevitável fuga. Se era isto que querias, podias tê-lo dito antes. Podias tê-lo dito a tempo. Agora sou eu que caminho mas a terra está arrefecida sobre as minhas penas. Sobre o meu (des)fado. Sobre as minhas raízes em ruptura com a equilibrada agonia do teu desamor. Cada parte do meu corpo se desfaz em vento quando me abandonas, lento e entorpecido, caído sob o segredo das noites inebriantes de verão e desfeito sobre a terra (des)aquecida sobre o andar da tua partida.

04/09/2015


Tenho medo do que acontece em mim quando fecho os olhos.

03/09/2015


Doí-me nos olhos a memória do que não vi.
Há palavras que me desaparecem das mãos e deixo de as poder encontrar.
Sonho com o silêncio que se encontra debaixo de água e seguro-me na certeza que um dia não irá ser mais preciso falar.

01/09/2015


Escovo-te no cabelo o olhar triste dos dias que não findam. Deixo que as mãos abracem o teu corpo enquanto inspiras um segredo sagrado. De pele despida sobre o chão frio, caminhas sobre as pedras como quem caminha sobre o fogo e não conhece a ânsia de chegar. Sentes-te a queimar e ainda assim intentas dançar sobre as arestas da tua sanidade. Tua pele a arder no corpo frio e sentes absolutamente nada. Olhas-me na tristeza dos dias que se fundem nas noites eternas e soltas o cabelo sobre o corpo desnudado. Deixas-te respirar no vazio da partida e segredas-me ao ouvido o quanto as minhas mãos te são sagradas.