Sinto que me perco
de cada vez que me encontro.
Mas já não me (re)encontro
de cada vez que me perco.
entrego as feridas ao sal. ao quente da terra. às lâminas do mar que imagino por dentro de meus olhos.
toco com os dedos no ar quente que a noite sopra e sinto como se estivesse a navegar na proa de um navio que me leva para longe de todos os aqui, de todos estes agora, de todos os (des)tempos.
a maré traz por dentro um qualquer vento soprado a norte. faz as ondas dançarem num aroma lânguido que se deita com as areias do deserto plantado ao sul de minhas chagas.
danço, como um dervixe enamorado de um qualquer Deus que se oculta de minha fé.
pondero os passos. remeto tudo ao sabor do sal. lambo o sangue do chão e mergulho,
a dançar,
nas ondas que só existem dentro de meus olhos.
Das janelas viradas a sul,
de frente para a noite aberta,
ouço as vozes que se desprendem de corpos leves,
estranhos,
alheios a mim e
distantes do lugar em que me sei.
Vozes que entoam risos,
ébrios ou reais,
melodias, sons, tons e texturas
que não sou capaz de reconhecer e
que,
talvez,
não saiba sentir.
Penso que talvez sejamos o que a nossa história
- tudo o que nos antecede antes de sermos nós mesmos -
nos faz ser,
nos permite ser,
nos induz a ser,
nos ilude a ser,
e talvez tantos de nós,
justa ou injustamente,
não possamos nunca saber a real possibilidade da dimensão do mundo
de tudo o que é além de nós,
do que está além de cada janela aberta.
Talvez sejamos todos um lugar de silêncio
e um lugar de risos,
um espaço de tempo de parar
e um espaço de tempo para calcorrear as estradas dos caminhos da vida.
A verdade é que muitos paramos na beira da estrada
no fronteira limítrofe que não vemos mas sabemos,
com toda a certeza que se reconhece nas coisas imutáveis,
estar ali.
Deixamos de saber que
a montante,
somos nascente e
a jusante,
podemos ser rios a correr até aos lugares mais distantes de nós.
Das janelas viradas a sul,
de frente para a noite quente,
reconheço que existem
sempre
outras (im)possibilidades em nós.
Penso em como tudo o que se sucede aqui é vago e é vazo
é simultaneamente intenso e intensamente despido de significado
profundo como um mar, quente como as dunas de qualquer deserto mas fugaz e dificil como o vento do norte
é claro como a água da nascente que emerge do âmago da terra e turvo ao ponto de deixar tudo a saber a lodo
é de uma felicidade pueril mas que dura tão pouco no tempo. Não se sustém. Não se sustenta. Perece e não permanece.
Chegas inteiro e partes aos pedaços. Aterras em fragmentos e partes em poeira. És intensamente nada enquanto és tudo. Olhas para mim como se o lugar certo do mundo fosse neste preciso instante e, depois, todo o mundo pesa sobre o todo de ti e a dúvida remete este lugar à insuficiência da insatisfação.
Penso em como tudo isto é vazio e é vago e é cheio e é sóbrio. É tanto sem ser quase nada. É nada por ser tanto.
Na verdade, não desejo que chegues e que partas sempre inteiro. Mas não sei pegar em tantos pedaços espalhados debaixo da pele de meus pés sem que se abram chagas que nenhuma palavra poderá pode curar.
O que seremos, verdadeiramente, quando somos aqui?