28/04/2015

 
"Anche il viaggio piu lungo
inizia con il primo passo"

proverbio cinese
roma.

23/04/2015

mEloDia

há música nos gestos
vida nas mãos
lágrimas no rosto coberto de lama
e pó nos lábios fechados.
há música dentro do silêncio
dança dentro da alma
uma respiração lenta e demorada.
inspira.
há estrelas a rir por detrás da noite.
lugares de coisa nenhuma cheios de nadas por completar.
há caminhos que podem terminar apenas no lugar de nós,
quando nos decidirmos a saber partir.
a noite demora.
talvez seja quase manhã lá fora mas aqui,
 neste lugar reservado às coisas que se aguardam,
a noite é lenta e demora-se na pele,
demora-se nos olhos,
demora-se na incerteza do tempo.
 
talvez seja ainda noite lá fora mas aqui,
neste lugar reservado às almas que se perdem do tempo,
o dia teima em circular no sentido oposto e em desaparecer
por entre o nevoeiro que queda sobre as madrugadas mais frias do começo
da primavera.  
 
a ânsia cresce por dentro.
o tempo afunila-se nas imagens do que se espera que chegue a chegar,
sem que chegue,
e a alma demora-se na languidez da possibilidade de,
 dentro em pouco,
poder vir a ser manhã.
 

19/04/2015



chEgar


Não pares agora que a dança te abraça na lentidão dos dias. Não cedas ao cansaço agora que a luz iniciou o caminho até chegar ao lugar que fica reservado às coisas por dizer. Não partas agora que quase começaste a chegar ao lugar de ti.

Olha para a frente de cada vez que tiveres medo. Olha em frente e vê o caminho que se abre diante de ti, diante da tua sombra, diante dos teus pés despidos. Não tenhas medo. Navega as ondas como se dançasses sob o luar. Bebe a noite como se começasses a nascer. Diz todas as palavras que te magoam e chora perante o que resta do mundo.

E renasce. E recomeça. E não temas o por vir.

Não pares agora que aprendeste a dançar(-te). Não cedas agora que começaste a olhar(-te). Não partas agora que chegaste(-te) até aqui.

09/04/2015

deliRium

Quando chegar, vou dizer-te que o mundo acabou. Sei que ainda não sabes, mas o mundo acabou. O que encontras dentro da tua imagem não és tu. É apenas o delírio do resquício do que foi em si e já não é mais nada. Quando chegar vou mostrar-te que, afinal, eras tu quem não estava aqui. Eras tu que não estavas no lugar certo quando o mundo morreu. Por isso não viste, por isso não soubeste. Escutas as vozes que gritam dentro de ti e perdes-te na certeza incerta de seres tu e o outro, e os outros que são em ti sem que queiras, para deixares de ser tu e passares a ser apenas aquilo que resta quando paras de sentir. Quando eu chegar não estou seguro de que te vou encontrar. Mas se o mundo morreu, tenho de chegar até ao lugar que ocupas em mim para podermos sobreviver. Vou ser a outra voz dentro de ti que te serena e te diz que, afinal, quem morreu foste tu e o mundo é tudo o que acontece lá fora, onde tu já não podes estar.

dUst


olho o mundo no caminho dos passos. o vento não cessa de me abandonar de cada vez que cedo a cair. queria poder tocar nas asas do vento e destruí-las. queria poder tocar nas  ansas do tempo e rasgá-las. como se rasga a carne, como se abrem as feridas, como se morre morrendo, como se entoa um cântico. queria poder tocar-me de cada vez que cedo à gravidade e quedo, mas o corpo fica longe da minha mão. não me toco de cada vez que me abandono e estou cada vez mais longe do lugar onde deveria estar. olho o mundo como se estivesse a cair e na verdade é o tempo que me empurra e me deserta. queria poder destruir-me no tempo como se destroem as asas de pó que navegam o vento. queria rasgar-me na certeza de que amanhã a ferida estaria aberta para depois se fechar sem ter me tocar. ou cair nas ansas do tempo e fechar as mãos tão longe do meu corpo de pó quanto fosse verdadeiramente possível.

03/04/2015

sou o lugar de coisa nenhuma. sou o lugar onde o deserto termina e o tempo consegue parar. se olhares para mim por um momento, se me vires por um só momento, vais poder compreender tudo. vais poder perceber a essência das coisas que nos compõem, que nos fazem, que nos completam. se me conseguires olhar, se me souberes ver, vais encontrar-te no fundo e mim e vais saber, com a certeza de que o deserto também termina no tempo, que foste sempre a maior dimensão de mim.
A chuva parece ter, finalmente, partido. Os dias alongam-se nas horas e a noite queda mais lenta, como se demorasse mais a chegar.
Há uma intensidade nas coisas que acontecem lá fora, diferente do que se sucede no tempo de aqui. Aqui já nada se move da mesma forma, já nada acontece, já nenhum movimento se espera.
Das janelas vê-se, primeiro, as grades; só depois o rio, só depois o céu.
Daqui, de onde eu estou, há uma grade que me separa de tudo o que acontece fora de mim e ao que eu pareço não poder chegar.
As coisas que acontecem em mim não são as coisas que podem ser fora de mim.
Aqui já não há nada intenso, nem longo, sem ser a imensidão da solidão que me ocupa no vazio. Tudo é lento, sim, mas tudo acontece sob a forma de chuva. Chove aqui dentro e não depois de aqui. A chuva parece, finalmente, ter cessado; excepto em mim.