25/02/2023

Juro que sou fiel 

à tua ausência 

ao teu silêncio 

a todas as formas como te libertas dos correntes da minha férrea existência.


Juro que permanecerei em silêncio enquanto 

teu grito me despir

tua boca me esquecer

tua voz me abandonar agrilhoada nas palavras sem sangue.


Despe-me

vou virar-me de costas

deixar que se esbata o que permanece depois das marcas da tinta ocre sobre as linhas de chuva de um qualquer pincel já deixado pelo tempo

pois não irá sobrar mais do que um esquiço rude da forma que me definia na linha das tuas mãos antes de me teres deixado parado no caminho.


Juro que sou fiel ao silêncio que fica por dentro da inevitabilidade da ausência de ti

enquanto as palavras pintadas de uma oração que se acorrentou ao grito que guardo dentro da boca me dançam na insanidade de se não poder ser mais do que esta ténue linha ressequida nas mãos de ferrugem onde antes havia cabido o mar inteiro. 

18/02/2023

São insignificantemente significativas as coisas que faltam. As coisas que não estão nos lugares que consideramos como certos. Que não são quando as julgamos ser. Que não estão quando estávamos absolutamente seguros de que estariam. 

São partes que faltam. Membros. Peças. Sentidos. Pele. Espaços. Lugares.

E depois, pelas coisas que faltam, as coisas que são deixam de ser as coisas que deviam ser e tudo parece, de repente, pintado nas labaredas mornas do inferno que sabemos sempre, sempre, tão próximo da pele. 

E aí, no momento em que entendes que nada pode retornar a ser o que havia já sido, tudo adquire um significado incontornável. 

13/02/2023

Tenho o inteiro do deserto 

desfeito 

dentro da boca. 

A areia a cobrir 

dentes e lingua e sede e saliva

nem um sinal da promessa.

11/02/2023

Ficam presos na garganta...


As ausências. As distâncias. As perdas. 

Os cárceres.  As lacunas. As angústias. 

As incertezas. Os desvarios. As impurezas. 

Os segredos. As obstinações. As intempéries. 

Os sacrifícios. As tristezas. Os irremediáveis. 

As culpas. As desventuras. Os erros. 

As inevitabilidades. As consequências. Os castigos. 

As sentenças. Os pesos. As fugas. 

Os silêncios. 


Tudo agrilhoado no lugar onde habita a voz e se enlevam todos os finos filamentos do silêncio.

04/02/2023

as cortinas continuam fechadas.

não para de chover dentro das palavras.

esqueço tudo.

escorre-me a tinta pelas mãos e não consigo segurar as letras.


em que palavra recomeça a possibilidade de um só verso do poema? 

03/02/2023

encosta a lâmina na minha pele 

dos lábios

encosta a pele da tua mão no sangue que escorre

de mim

como chuva

pela longitude dos cabelos


deixa cair a lâmina dentro do que falta até que consigas encontrar o destino do último gesto contido na incerteza de eu ainda estar aqui

encosta tua pele rasgada no asfalto ocre que exala do meu hálito e sente tudo a arrefecer com a noite


guarda as asas nas mãos

a lâmina na boca

dilacera o que resta de todas as palavras

e cobre tua pele do sangue que termina 

em mim.

 

este é

definitivamente

o derradeiro gesto 

de ti

na minha pele.

01/02/2023

que lugares são esses, os que teimas em esquecer?

que memórias são essas, as que intentas apagar?

porque viajas na viagem, se o ir é apenas encontrar a razão para voltar?


o que fica de quem és quando o calor evapora na noite e as estrelas se desvelam

tímidas

contidas

na imensidão do negrume abissal do espaço que te rodeia?


gritas no silêncio de terra

de barro vermelho


esperas ventos do norte para permitires que a tempestade de areia te cubra os olhos

a pele

o respirar.


que lugares são esses em que te devastas para te lembrares do caminho até ao lugar de ti?


talvez regresses

talvez não possas regressar

mas se o lugar voltar a ser o mesmo

o que restar de ti, já não vai lá estar.

por vezes

vê-se tudo

tão claro,

diante das mãos



até que fecham, 

de novo, 

as cortinas negras das janelas.