30/08/2021

a memória do aroma de tua pele andou navegar-me a noite.

rasgou o mar de silêncio que repousava dentro de mim e devastou tudo até ao limite da ânsia. a vigília apoderou-se do kairos que insisto em evitar e ligou o que restava de mim ao lugar de calhau negro que define a insula. 

recordo o som de tua voz a lamber as chagas de minha lascívia e o sabor de teus dedos a tocar-me na alma. o sussurro das palavras que me ofertaste e tudo o que teu corpo me disse. num momento que perdura na certeza plena da sua inevitável finitude.

memorizei cada cêntimetro da tua pele e o sabor de ti insiste em permanecer, numa languidez indelével, numa dança lenta, sobre a minha limitada capacidade de sentir. 

são teus lábios o que sinto a desfazer-me por dentro.

um momento foi quanto bastou para saber. um momento foi quanto bastou para terminar. 

sento-me na janela do segredo desta noite quente de um agosto que termina e anuncia o começo do outono e reconheço a insatisfação que emana das feridas que se instalam com o silêncio que aumenta por dentro. kronos instala-se e recorda-me como o tempo é um lugar reservado às tormentas da viagem e como tão celeremente o deixamos escorrer pelos dedos de uma mão que nos toca na face e nos recorda de quem somos.

a noite leva-me de volta ao aroma de ti e fico a navegar, em mar alto, até voltar a encontrar a orla de calhau negro. 

11/08/2021

Que sentido fará continuarmos a procurar o que já não podemos alcançar? 

InSulA

Vejo teus braços desenhados no contorno da orla da ilha. Como se me abraçasses quando iças as velas e partes pelos caminhos da vida.

Ouço os pássaros que sobrevoam o começo do crepúsculo e fecho os olhos.

Terá o silêncio outro sabor quando o silêncio é o reflexo da ausência?

Há já sinais de um Outono lânguido que se imiscui por dentro dos raios de luz deste Verão despido de sentido.

Queria poder ouvir-te na voz, talvez tocar-te no som das asas, mergulhar no oceano que repousa no teu olhar e esperar, por um momento, que navegássemos no mesmo lado da ilha.