a memória do aroma de tua pele andou navegar-me a noite.
rasgou o mar de silêncio que repousava dentro de mim e devastou tudo até ao limite da ânsia. a vigília apoderou-se do kairos que insisto em evitar e ligou o que restava de mim ao lugar de calhau negro que define a insula.
recordo o som de tua voz a lamber as chagas de minha lascívia e o sabor de teus dedos a tocar-me na alma. o sussurro das palavras que me ofertaste e tudo o que teu corpo me disse. num momento que perdura na certeza plena da sua inevitável finitude.
memorizei cada cêntimetro da tua pele e o sabor de ti insiste em permanecer, numa languidez indelével, numa dança lenta, sobre a minha limitada capacidade de sentir.
são teus lábios o que sinto a desfazer-me por dentro.
um momento foi quanto bastou para saber. um momento foi quanto bastou para terminar.
sento-me na janela do segredo desta noite quente de um agosto que termina e anuncia o começo do outono e reconheço a insatisfação que emana das feridas que se instalam com o silêncio que aumenta por dentro. kronos instala-se e recorda-me como o tempo é um lugar reservado às tormentas da viagem e como tão celeremente o deixamos escorrer pelos dedos de uma mão que nos toca na face e nos recorda de quem somos.
a noite leva-me de volta ao aroma de ti e fico a navegar, em mar alto, até voltar a encontrar a orla de calhau negro.