24/08/2022

 (...)

beneath the stains of time

the feelings disappear

you are someone else

I am still right here


(..)

if I could start again

a million miles away

I would keep myself

I would find a way


Hurt

Johnny Cash

21/08/2022

OrAçãO

Segurei-te nos braços e na voz, quando tiveste medo.
Lambi-te as feridas e comi do sal, do sangue e da terra que te compunham, até voltares a ti.
Amei-te o desespero e a desesperança, tapei teu corpo gélido com minhas mãos abertas na pele, e fui a carne e a palavra no secreto silêncio que duas almas encontram na sede de deserto.
Fui teu porto, teu barco, teu abrigo, teu canto de cisne. Fui, sendo, mas sem ter nunca chegado a ser.
Estava onde tu estavas, mas tinha sempre uma asa pronta para voar. A asa que rasgarei depois.
Pousei os pés nas areias movediças do que acontece por dentro de ti e não fui capaz de fechar os olhos e me deixar ir.
Fui, sem ter chegado a poder permanecer.
Atravessei o deserto até chegar ao mar alto. É nesse lugar que me encontro agora, onde há um abismo aberto de baixo, inacabado e incerto, e fico ao sabor das ondas e à mercê das marés com a certeza incerta da constância das inconstâncias, de que me afogarei em breve, abraçada ao castigo que se me impõe a natureza fielmente cruel da minha incapacidade de me manter à tona de água. 
Segurei-me nos teus braços e na tua voz. Usei as palavras ditas e os silêncios de lugares em branco, e preenchi o remanescente das linhas com as mentiras do meu próprio poema. E agora parto, para ir buscar as penas e deixar a pele, para me afogar, sozinha, por dentro do meu firme declarado caminho.

Estás longe.

Num lugar de mar alto onde eu já não posso chegar.

Num lugar onde já não há terra para eu ter lugar. Onde já não posso ouvir-te na voz porque já não há nada que me queiras dizer. Onde minhas mãos está vazias e já não podem tocar. Onde o silêncio da distância ausente transfigurou tudo.

Já estou demasiado longe.


20/08/2022

Arranco uma asa.

Ouço te a gritar.



Arranco a outra.

18/08/2022

Cresce-me um fogo por dentro. Arde-me na voz. Arde-me no peito. Queima-me na ponta dos dedos que sinto desfazerem-se no vento que assola esta terra a oriente.

Desenho linhas que não consigo ver, usando a sombra do sangue da tua ausência...e espero que não chegue a suster-me no apelo do abismo.

Ou talvez espere chegar à orla da rocha negra dançando como um dervixe, na esperança que D me segure nos dedos de cinza e me traga de volta ao lugar anterior a este lugar que é apenas um lugar vazio. 

Sinto a crueza cruel do (des)sentido deste lugar que, por tu não estares, deixou de fazer sentido. 

Diluo meu sangue na sombra do teu, enquanto procuro nas mãos as linhas para desenhar meu passo seguinte. 

Por vezes temo não conseguir avançar pois tudo em frente, atrás, de lado, tudo o que meu olhar alcança, está a arder. Sou eu quem está a arder.

Outras vezes, sei que vou dançar até encontrar as clareiras e as linhas desenhadas com as cinzas que trago na voz, até o (des)sentido voltar a ser lugar de sentido.

O vento mantém um fogo a arder-me por dentro. Até que eu possa mudar de lugar, até um lugar fazer sentido. 

Queria ouvir-te.




Mas não tenho nada para te dizer.


Queria poder falar-te.



Mas não tens nada para me ouvir.

15/08/2022

Falta 

uma 

palavra.

11/08/2022

pensei que podia esquecer tudo. aceitar o que não sobrou. desfazer o que estava feito. deixar o já desfeito à sua própria sorte. preparar-me para sair. preparar-me para não regressar. acreditei que podia não regressar. mas não cheguei a sair daqui. 

Esvazio a casa. 


Dia após dia. Sem demorar. 

entrego

desfaço

elimino

esqueço

destruo

perco

cedo

dou


Remeto para qualquer lugar, mais um fragmento de mim. Um de cada vez. Mais um de cada vez. 

Não sei bem o que vai sobrar quando tudo terminar.

Agora ficam apenas as paredes

o tecto

o chão 

e as janelas fechadas na penumbra. 


Esvazio uma casa. De novo. 

Até não restar mais nada. 


08/08/2022

Estou parado no meio da estrada.

Os carros passam de ambos os lados de minhas mãos. Por dentro e por fora. E já não sinto quando me atravessam. Já não sinto nada. Parece que tudo parou na ausência. Talvez seja a tua lonjura que desfaz a minha (des)presença. Estou distante da distância de ti. Tu estás infinitamente longe de mim. 

O que nos distancia é inequivocamente maior do que o que nos poderia unir.

Fico parado no meio da estrada até escurecer. Até não haver mais carros. Até conseguir fechar as mãos e voltar a andar.