22/08/2010

borboletário de lisboa






a serenidade em estado puro.
obrigada pela companhia, flôr de lótus.

19/08/2010



Na imagem do fumo da cigarrilha a abandonar a janela deste carro e a desvanecer no ar fica a certeza de que desaparecer revela o único continuar possível.

15/08/2010

Não quero que faças nada.
Não quero sequer que me fales ou que olhes para mim. Que tentes. Que procures.
Deixa.
Deixa-me.
Já me abandonaste há tanto tempo que é absurdo ainda estares aqui.
Não me procures nos restos de comida nem de pó.
Já não estou neste lugar há tanto tempo que já nem me lembro bem a que cheiras.
Sabes que no infinito as linhas paralelas não se tocam. Sabes que no infinito não há mais do que buracos negros e nós chegamos a ver o fim disso que não tem fim sem precisar lá chegarmos.
Se pudesse já estava com o resto do corpo largado na terra húmida.
Se pudesse já não estava aqui e já não respirava.
E se pudesse ser de outra forma já nem te lembrarias meu nome eu já não teria nada por que esperar.

jardim botânico - museu de história natural











13/08/2010

Um gesto de dança e eu seria vento.
Um movimento certo e eu chegaria ao fim.
Uma só noite e teria sabido o mar.

09/08/2010

De quantas formas se pode partir?

Se não te conhecesse tão bem acharia que me respondias que se pode partir de tantas maneiras como se pode ficar. Logo de seguida, com o teu sorriso traçado de ironia, dirias que se pode partir de tantas formas como se pode amar.

E como se pode amar, perguntaria eu com um ar de criança assustada.

Ah, pois bem. Olharias para mim como se o mundo fosse terminar naquele exacto segundo e esperarias que o sino da igreja desse conta das horas para me sorrires. Fecharias os olhos como quem não precisa de conhecer a luminosidade do dia para se ter sabido sempre nela, e dirias que se pode amar de tantas maneiras como se pode partir porque se pode partir de tantas maneiras como se pode amar e que se ama incondicionalmente quando se aprende a deixar partir.

E como se sabe que se ama?

Quando ficar deixa de ser possivel e a iminência da partida se torna tão dificilmente tolerável e tão inevitavelmente necessária.

estória

VII

Tiro os olhos de ti e deixo-os cair sobre as minhas mãos. Meu punho banhado de sangue. Desenhado nos nós dos dedos, o resto de ti. Alisa. Eu. Tu. Olho as mãos paradas num tremor que sinto que se vai eternizar a partir deste preciso momento. Tremo como se fosse frio isto que me rega o corpo todo mas não. Apesar da chuva não faz frio. Apesar de tudo isto, não faz frio. Nas mãos tenho o temor e as rugas. Sim, consigo ver tudo debaixo do sangue sujo. Consigo ver as marcas do tempo que me vandaliza por dentro, que me dilacera e me desfaz com o toque sereno de uma lança afiada. Desvio os olhos para ti enquanto alguém te levanta do chão. Olho os teus pés (já descalços), e os teus joelhos (já negros), o teu vestido (já rasgado), o teu peito (já seco) e a tua boca…a tua boca…Aposto que neste momento querias que te olhasse nos olhos e eu sigo para as mãos que são minhas e onde tu já não estás. Limpo na camisa o que restou de ti e bebo o que me sobra no copo. O balcão está ainda mais conspurcado. Tu estás ainda mais pura. Mais a cheirar a chuva. As minhas mãos são a prova de que eu e tu e ela já envelhecemos. Eu nas mãos e na alma, tu no sangue e na memória, ela na distância ausente de quem não está e é um jamais contido em nós. Porque insistes em regressar sempre? Porque insistes em vir de encontro a este lugar que já não tem espaço para o que nos separou quando nos uniu para sempre? Olho-te de frente enquanto as tuas mãos choram. Levas os dedos ao cabelo baço e seguras o negro dos teus olhos como se me segurasses a traqueia. Sinto-me velho. Sinto-te a morrer. Fecho os olhos e sei que posso morrer, que devia ter sido eu a morrer, assim, como ela. Jazemos os dois. Tu e eu vivemos o fim depois do fim e não encontrámos mais o caminho de volta. Diz-me porque insistes em voltar? Porque insisto em não conseguir partir?
Enlaça teus dedos na minha traqueia enquanto as minhas mãos velhas quedam para onde antes estava o teu sangue. Não adormeças. Por favor, não adormeças.