20/03/2019

esPera

fico à espera embora não reconheça o que espero. a verdade é que não sou merecedor do que esperava que um dia pudesse chegar ao encontro de mim. 
não sou merecedor da tua misericórdia. da tua benevolência. da tua mestria. 
estou à espera de saber o que espero e não espero nada que possa ser enquanto esperar for apenas o que faço para ignorar tudo o que ficou por saber. 
espero para mais nada ter de esperar. para me iludir que não poderia ter feito mais. sido mais. construído mais. 
sei que não mereço nada do que espero e ainda assim mergulho de olhos abertos nas águas negras da minha devassidão a aguardar poder chegar a um qualquer porto. a aguardar atracar em lugar seguro. a aguardar ser o que fiquei por ser. 
não te mereço. nada do que podias ter guardado para mim, eu mereço. 
fico à espera. já não tenho muito mais tempo para absolutamente mais nada por isso escolho ficar a aguardar que o deserto termine. que as minhas chagas sequem por dentro. que minha alma se redima no silêncio secreto que existe por dentro de uma solidão consentida. 
aguardo até merecer chegar até mim. 

18/03/2019

lAbyrinThe

Não me apetece mover. 
Respiro com dificuldade. 
Esforço-me por manter os olhos abertos e o sangue a correr. Esforço-me até não poder mais. 
Contrario o movimento inteiro que a vida impõe sobre mim. 
Procuro escapar ao labirinto da minha essência para me transformar. Recomeçar. 
Falho. Repetidamente. Falho.
Arrasto a alma agrilhoada por entre uma existência que não compreendo. Arrasto-me no limiar das arestas até desfazer o corpo na certeza do abismo que me espera de seguida. Recomeço. 
Afogo-me em dúvidas para as quais tardo a encontrar respostas. 
Perco-me no caminho dos caminhos que me conduzem sempre ao ruído ensurdecedor do silêncio. 
Temo terminar sem ter chegado verdadeiramente, a ser. 

17/03/2019

doLore

A dor carrega-me em braços até ao fim da noite. Lancinante.  Dilacerante. A transportar toda a minha existência prévia em pó de cinza enegrecido. Beija-me a testa, os olhos, a face, os lábios, sem pedir. Sem piedade. Sem pudor. Desnuda-me até não conseguir distinguir meu corpo deitado sob o frio do fim da noite. Inebria-me. Até eu esquecer quem fui. Ilude-me. Até eu não saber mais o lugar onde fui. Evade-me de mim até eu, absoluta e definitivamente, desaparecer de entre mim.