31/07/2023

O único cenário que me permito vislumbrar na partida, é o manto de luzes que alumiam as encostas da Ilha e que revelam os caminhos de regresso a casa.

Talvez seja no lugar mais escuro da noite, este em que agora me encontro, que procure encontrar o que te ilumina dentro do olhar que é o meu. 

Escavo fundo o abismo que minhas mãos temem ter em ti e recuo, vagarosamente, quando entendo que não poderei encontrar lugares além destas areias que se movem incessantes. 

Pensei que iria haver chamas, labaredas, velas, candeias, lume, mas há apenas os ventos áridos devastados pelos segredos inventados das planicies ocres do deserto das mãos que são as tuas. 

Tanta água e tanta areia no mesmo lugar... Tanta luz e tanto breu...Tanto de divino como de luciferano, mesmo sendo lucifer o anjo que perdeu a luz e as asas, tu és o lugar devastado da devassa ausência de esperança. 

Perdes, a cada momento, a vontade, a tolerância, a sabedoria da espera e a vertigem da demanda. 

Corres sempre, somente, no sentido de enganar o temor de parar. 

Perdeste já o sentido das minhas mãos. Já te não fazem falta.

Eu creio ter perdido o sentido da tua alma,  as linhas da tua pele, o sabor das tuas palavras, o sentido do teu sentido.

Encontramo-nos cada vez mais longe. Tu a correr o deserto coberto de mar. Eu a escavar a luz que mergulha no âmago da noite.

Já não vamos saber encontrar o caminho de volta.

30/07/2023

A noite cai de forma lenta sobre o abandono da ilha.

Não há âncoras. Não há costa. Apenas o movimento ininterrupto das marés e dos naufrágios.

Estive sentado sobre a orla do dia a aguardar que chegasse tua voz nos indícios do vento quente.

Não há âncoras. 

Não há regressos possíveis. Quando se parte, não se regressa jamais da mesma forma. Quando se regressa, não se regressa inteiro, nunca mais.

Não há nenhuma âncora. Apenas o deserto do mar e da imaginada linha que o separa do céu.

Assim me aparto eu.

Creio que jamais saberei regressar do naufrágio deste abandono ao crepúsculo.

25/07/2023

começa do começo. 

conta a história como se contasses o ar. respira como se escrevesses as letras todas das frases inteiras. ignora a saudade que sentes. cessa o silêncio da ausência que te devasta as vísceras e cede à tentação da insanidade. repele o branco do vento e guarda a ferrugem do rancor dentro dos bolsos da pele.

começa do começo. 



onde?

16/07/2023

Se, no absurdo, nos retiram a normalidade, o que é que sobra da nós?


07/07/2023

tenho o fogo a arder e não sei como parar este corpo que se alastra

03/07/2023

Podias ter adormecido a tua voz nas minhas mãos

até eu cegar do mundo.

Tiveste sempre presas as palavras 

dentro do cansaço. 


Deixaste-me 

sempre

à deriva no mar alto 

preso aos dedos cegos

do mundo que silenciou a tua voz.