30/07/2015

abUlia


Seguro vidros nas mãos fechadas. Só até deixar de sentir. Só até o sangue começar a cair.

Seguro as palavras mastigadas no vento imolado na sensação da chuva que vai começar a cair. Só até a chuva começar a cair.

Seguro os gestos em abulia e temo o que vai começar a cair. Só até o que vem começar a cair.

Depois posso respirar.

29/07/2015

fuGa

Um movimento incessante de passos. Portas que se abrem e se encerram sobre si mesmas vezes e vezes sem conta. Passos que não terminam de calcorrear a madeira deste chão cansado. Gritos velados dentro da pele nauseabunda e o corpo a ceder ao descontrolo. Passos que se prendem nos movimentos feridos e encarceram em definitivo a possibilidade de fuga. A certeza da inevitabilidade da queda a devastar a intenção de uma qualquer possível cena passível de ser outra coisa que não isto que acontece aqui. Os passos a invadirem o silêncio e a queimar os poros da pele dos dedos desfeitos na tinta. Tudo o que acontece aqui, agora, acontece porque os passos não são apenas passos mas são partes pisadas de uma qualquer outra coisa que não teve tempo de aprender a fugir a tempo.

28/07/2015

oraÇão


O vento do norte chegou aqui. O fogo alastra sobre as colinas a rasgar o ventre da terra.

Que milagre pode ser se a terra cessar de arder?

Este é o lugar em que o fogo consome as gentes e os saberes. Em que tudo se perde. Em que as cinzas nos povoam sem misericórdia.

Senhor, tende misericórdia.

Que milagre podemos ser quando cessamos de arder?

25/07/2015

rUa


Seguras a minha mão na tua mão enquanto me perco nas ruas desta cidade. Movimentos e gestos de gente que perduram no tempo, que se suspendem em mim mesmo depois da sua passagem. Sinto-te no toque de mim de cada vez que respiro, em tudo o que ouço, em tudo o que sinto e em cada quase palavra que profiro e em todos os momentos em que me movo.
Aconteces em tudo o que existe em torno de mim. Sinto-te com a certeza das coisas que são em si mesmas nos momentos em que as vivemos e aqui estás tu sem, na verdade, estares. És a parte de mim que eu não posso, nunca, ignorar. É como se estivesses sempre, em cada passo do meu caminho, a segurar-me nos dedos da tua mão.

23/07/2015


pode ser
que tu
possas ser
a letra
que falta
na palavra
que pode
de certa forma
completar
o poema
que
quase que
existe
em qualquer lugar
que fica
depois
de aqui.
 

 

maTTina


Há um silêncio diferente quando a dor cessa de doer. Segura as sombras com os dedos e vê o silêncio que permanece. Inala o fumo que atravessa a madrugada e sonha com o que rasga o tempo e se torna eterno. Não questiones a ordem de tudo o que acontece em torno da tua solidão. Repara os erros e remete tudo para o lugar mais brando da tua angústia. Silencia o fervor que te atravessa o respirar. Segura-te nas sombras que os teus dedos reproduzem nas paredes brancas e evita o que não consegues ver. Recorda cada palavra que sabes como certa e sente tudo o que o mundo te oferece. Não hesites. A dor cessa de existir assim que a deixares de a saber em ti. Procura-te nas memórias do tempo que já não pode ser e encontras coisas que ainda faltam. Abandona-te nas ruas vazias da noite da cidade para te reencontrares no lugar certo. Segue, ainda que teus pés dancem despidos sobre o asfalto aquecido pelo terror do verão, sem parar nunca. Até chegares ao rio. Até chegares ao silencio que vem com o início da manhã.

riEn

Je suis comme les choses que ne finissent jamais.
Tu es comme les chemins qui courent par tout.
Nous sommes comme les animaux et on ne sait jamais ce qu’on a besoin.
Je suis en train de devenir presque rien. Je suis en train de devenir comme la pluie que ne tombe pas. Je suis tous que va finir jusque au même temps que tu t’en vas.
Il faut pas que tu me regardes maintenant. Ce n’est pas nécessaire. Tu es tout ce que deviendra finir demain.
Il y a une bataille entre mon âme et tes ailes. Tu es un oison et je sus seulement la pluie en train d’arriver.

19/07/2015

 
 
Pisa-me nos passos. Repete-me nas palavras. Ama-me nas noites finitas. Guarda-me nos segredos mais profundos. Navega-me no deserto. Repete-me nas palavras. Transfere-me nos gestos. Agride-me na dor. Cala-me na agonia. Aniquila-me no teu corpo vazio. Devasta-me na embriaguez da tua solidão. Solidifica-me na minha incapacidade. Ama-me nas noites acabadas. Entrega-me aos corvos e às marés. Dá-me o que te resta e desaparece. Pisa-me nos passos apagados na areia que se não move mais. Transpira o teu odor na minha pele. Move-te sobre mim até eu morrer. Afasta-me de tudo o que não interessa para nós. Remete-me ao lugar das coisas por saber e dá-me o que encontrares. Segura-me na tua angústia enquanto eu te ancoro. Navega-me na minha solidão até eu me esquecer de mim. Ama-me até não haver mais tempo. Descobre-me nas preces mudas e nas palavras velhas. Desvela-me na invencibilidade da tua alma e deixa que eu te prometa nunca partir. Sonha-me nas noites de chuva e ama-me na eternidade do inverno que se abre em nós. Leva-me de cada vez que fores para regressares sempre ao lugar em que aconteces em mim. Lava-me no rio salgado e sente as marés que te afagam na certeza de mim. Guarda-me nos teus sonhos e ama-me. Solidifica-me na tua capacidade. Perdoa-me na dor de ser eu em mim e lambe-me as feridas com o sal da tua alma. Respira-me de cada vez que inalares e sente-me a ser tudo o que acontece em ti. Eleva-me ao expoente máximo da certeza e deixa-me repousar. Acredita-me de cada vez que te amar nas noites cegas e toca-me para te saberes infinitamente aqui. Permite-me voar sem que te movas. Sente-me a guardar tudo o que te faz ser em ti e verás que sou o lugar em que podes sempre voltar a terminar e a recomeçar. Canta-me nas madrugadas em que todos os pássaros te entoam e não terás dúvidas do quanto te amo. Cansa-me com as tuas palavras e faz-me correr sem parar. Ouve-me a sorrir de cada vez que te vir entrar. Navega-me no deserto da minha solidão e não permitas que me perca de ti. Embala-me na tua poesia e deixa-me ser quem sou. Escuta-me enquanto choro e meu pranto será teu farol. Guarda-me nos teus sonhos e existe-me. Sente-me de cada vez que te perderes e reencontrarás o caminho. Levanta-me de cada pedra do caminho e chama-me pelo nome. Guarda-me nas tuas feridas para que as cure sem que o chegues a saber. Respira-me de cada vez que perderes a vontade. Afasta-me dos corvos e deixa-me nas marés. Rouba-me as estrelas e dou-te o universo. Segura-me na tua imensidão e permite que descanse. Eleva-me na tua agonia e deixo-te gritar até à extenuação. Segura-me nos gritos e guardo-tos no silêncio de mim. Descobre-me nas preces cegas. Dou-te o que me resta e permanecerei, para sempre, aqui.
 

 

17/07/2015


Nascem moribundos
mortos-vivos
pululam pelo mundo
espectros espectrum
campos da minha consciência
Quisera saber
se sou mais um
nesse mundo morto.

 


Raimundo, Lisboa, 2015
 
encontro de hoje. encontro sem sentido.
um poeta perdido dentro do homem dentro de si mesmo.
aqui a homenagem possivel fazer  em suas palavras.


Um grito se ouviu
o comboio apitou

mortificada a alma
ao rio chegou.

Neste porto, uma palavra amiga
Oh amor! menti?

Também a ti?
Não me queiras mal assim
ainda não sei quem sou.

 

Raimundo, Rio de Janeiro, 1974
encontro de hoje. encontro sem sentido.
um poeta perdido em si mesmo.
aqui a homenagem possivel fazer  em suas palavras.

igReja


Cheira a flores e a corpos mortos. As pedras no chão sem tempo revelam os seus sinais de um cansaço profundo. Há restos de fé em todos os cantos, em cada fragmento de cada objecto. Bancos envelhecidos na madeira do tempo evocam angústias e culpas sem nome, sem rosto, sem saudade. Milhares de almas aqui gritaram em sofrimento e na demanda eterna da possibilidade da salvação. Aqui, a ideia de salvação pela fé ocupa todo o peso dos odores insuportáveis. O meu corpo morre na certeza de que aqui não há salvação. Aqui, neste lugar escurecido pelo medo, as vozes entoam preces desacreditadas e desanimadas. Morremos mais cedo aqui. Cheira a flores e a mortos.

14/07/2015


Há um fino fio de amargura de cada vez que fecho a porta e uma parte de mim permanece em suspenso. Fecho os olhos para saber a culpa e o frio regressa à pele, fero e libidinoso. Mergulho na sedução da noite vazia iludindo o corpo numa possível entrega que mais não é do que a queda de um anjo ensaiada na vertigem de uma mentira selada. Há uma ténue angústia marcada pela ausência de qualquer certeza. Não saber nada é saber tudo no sentido inverso. É estar sem poder ficar. Partir sem saber avançar. Esquecer sem conseguir lembrar. De cada vez que me ausento, de cada vez que fecho a porta, há uma mágoa que parece não poder terminar e que me deixa suspenso em névoa. Fecho os olhos e quedo na culpa incerta de ser apenas minha.

12/07/2015


De novo a náusea a acariciar-me a angústia. Eleva-se por dentro do corpo e invade a inteira dimensão da pele. Expira de cada vez que inalo o ar apodrecido em redor desta areia. O mar parou. Não se move. Eu parei. Nada se move. Não consigo dormir. Não encontro lugar onde guardar a minha raiva. Consumo-me por dentro. Devasto-me na acidez da contrariedade e desisto. Olho de frente o mar parado e desisto. Conto até três e desisto. Expiro e desisto. Cesso. A angústia a acariciar-me na náusea. Termino enquanto sonho com o mar.

10/07/2015

XIV


Again the dust is crawling up the space in my mind.
I don’t want to change my memory. I can’t.
I must stand here, in the rain, for as long has it takes.
The music is playing in my head. Over and over again.
I can’t sleep tonight.
Not until you get here.
O mundo é um lugar reservado às coisas que nunca terminam. Podemos avançar ou recuar, mas nada chega, verdadeiramente, a terminar. Há um recomeçar constante. Um ciclo em permanência. Uma viagem em torno de todos os lugares da terra. Por isso podes chegar mais perto. Podemos mover-nos juntos, em simultâneo, no mesmo lugar do tempo. Usar o mesmo momento, o mesmo espaço, existir como se fossemos apenas um. Chega mais perto. Preciso respirar. Tu ensinas-me a respirar quando existes aqui. Não tenhas medo, é só um pouco mais perto. Assim eu respiro. Assim eu sobrevivo. Aí. Podes esperar exactamente aí. A manhã pode demorar a chegar e assim pelo menos não nos sabemos tão absolutamente sós. O fumo cerca-nos como se não fosse mais possível respirar na infinidade da noite. Pode alguma coisa mudar enquanto atravessamos a parte escura da noite? Podemos ser nós mesmos perante a imensidão da vulnerabilidade de estarmos aqui, absolutamente desprovidos de corpo e de asas? Talvez juntos seja possível conseguir. Talvez se nos mantivermos juntos, a manhã chegue e seja possível descansar sem medo. Se tudo no mundo está em permanente movimento, vou segurar tudo na ponta dos dedos enquanto danço. Vou segurar-te inteiro nos braços enquanto canto. Vou segurar-me inteiro na desordem enquanto respiro. E se as nossas asas se encontrarem, no mesmo lugar do tempo, vamos reconhecer os sinais, saber os passos do caminho e vamos poder avançar, sem ter medo, sem estarmos tão sós, a caber um mundo inteiro dentro do nosso abraço.

09/07/2015

diÁlogo


- Não sei.
- O quê?

- Não sei mais o que fazer.
- Em relação a quê?

- A tudo.
- Tudo o quê?

- A isto.
- O que é isto?

- Não sei.
- Porquê?

- Não quero saber.
- Então não precisas de saber.

- O quê?
- O que é isto.

- Porquê?
- Não sei.

- O quê?
- Nada.

07/07/2015

siLvas


Não quero ir para lado nenhum. Compreende?
Só quero ir para minha casa.
Isto que me treme nas mãos não sou eu, é ele, são eles, mas não sou eu. Se não fossem eles, se não fosse ele, eu podia ser eu. Mas assim, não. Assim é ele, e eles e nunca eu.
Já todos são eu menos eu.
 Isto é uma tristeza infinda. Compreende?
Não quero ir para lado nenhum.

soNNo

Estou quase a chegar. Demoro-me na noite mais do que o que devia e depois perco-me. Acabo sempre por me perder da noção, por me evadir do tempo. Demoro-me na intenção de ti mais do que o que podia e depois afogo-me. Desfaço-me em mim mais do que conseguiria se quisesse, verdadeiramente, desaparecer. Estou quase a chegar. Todos os movimentos que faço são lentos no gesto mas cheios na vontade. São vazios no conteúdo mas estruturados na forma. Existem sem serem. São, na verdade, sem existirem. Meros reflexos da minha ansiedade que deposito em eventuais imagens - eventualmente reais - da memória da infelicidade de ser o meu próprio acto falhado. Repito, para mim mesmo, que estou quase a chegar. Lembro-me de alguém a corrigir-me as palavras – não, os erros – não, as lacunas – não, os esboços – não, o sangue –não, as palavras mesmo e esqueço do que deixei escrito nas paredes – não, no chão – não, no cimento- não, na calçada onde o resto da minha dignidade desapareceu na intenção de ter chegado a tempo de abraçar o sono.

02/07/2015

duVida


Se eu começar do princípio, tu vais entender?

Se te explicar tudo o que vive e o que morre em mim, tu vais conseguir escutar?

Se eu não te disser o que te digo, tu vais saber o que falta?

Se eu te perguntar que lugar é este em que inevitavelmente vou acabar por desaparecer, tu saberás dizer-me?

Se eu não chegar até ao lugar em que tu te imobilizas e te suspendes numa quase apneia, de que terá servido tudo isto?

Talvez seja tudo apenas um acto poético em que nos abandonamos, em breve, para recomeçar noutro lugar reservado ao segredo do silêncio que reside, separadamente, dentro de cada um de nós.

01/07/2015


Vou lembrar-me de tudo. Quando chegar a hora. Quando regressar o tempo. Vai ser da mesma forma que foi sempre. Todos estes anos. Todo este tempo. Vou recordar-me de cada fragmento da tua partida. Vou reconstruir cada passo que dei no caminho para o meu desespero. Vou-me desfazer em pó e vou desaparecer na memória de ti. E depois vou remeter tudo ao lugar em que se guardam as coisas sagradas. Vou querer não recordar nada e tu vais abraçar-me durante a noite. Como se nunca tivesses desaparecido todo este tempo.

dAnza


danço
na estável instabilidade da vertigem
meu corpo
abraça a eternidade da chuva que regressa inevitavel
tua  alma
segura a destruição que acontece quando enlouqueço

somos tudo o que acontece
por detrás do silêncio do que fica
em suspenso
entre o começo e o fim

entre o aqui e o agora
entre tudo o que não chega a poder ser e o que foi

entre o que és e o que resta de ti em mim

 danço
na destruição que a chuva provoca na instabilidade de ser eu aqui.