11/01/2022

somos, 

talvez, 

pouco mais do que pó. 

05/01/2022

encontro-te em lugar nenhum. na verdade não estás aqui. ou eu não estou no lugar certo. qualquer uma das possibilidades é uma possibilidade possível. 

não sei bem qual foi a ideia das mãos que deixaram o corpo e te levaram até ao lugar inverso daquele em que gostarias de chegar enquanto eu saí à procura de qualquer coisa que, para te ser sincero, não faço ideia o que era e só encontro sombras nos gritos das asas dos pássaros que são atropelados pela loucura dos carros que não deixam a cidade respirar. cada vez gosto menos de aqui estar. estou cansado deste ruído todo e o que invade cada fragmento das minhas artérias, dos poros da minha pele, das lâminas da minha angústia. 

sinto que morri pouco depois de teres saído daqui. na verdade, acho que cessei de respirar. juro. não estou a respirar. podes colocar a mão sobre o meu peito. podes percorrer-me as costas despidas no frio de janeiro. nada. nem uma réstia de sopro. nem uma réstia de luz. nada que se assemelha, minimamente, a uma realidade viva. sinto-me como uma gaivota atropelada a bater as asas na esperança de conseguir voar antes da morte a abraçar. 

por dentro, estou da cor com que a cidade despertou hoje. não. na verdade, com a cor do manto enevoado com que a cidade se deitou e com que dormiu toda a noite. isto é tudo um erro, sabes. um profundo e perfeito erro. e vamos cair de um lugar qualquer que nem sequer sabemos nomear. 

reencontro-me no vórtice de um qualquer lugar, num qualquer fragmento de tempo de que ambos partimos, à procura de algo que fica sempre longe da possibilidade de se ser em nós. até cedermos ao lado do verso em que caímos de forma inversa. talvez um lugar de coisa nenhuma. talvez lugar nenhum. 

02/01/2022

Meu corpo adensa-se na névoa que cobre o inverso da noite. 

Sinto tua mão a subir pelo meu ventre, 

pelo meu tronco, 

pelo meu peito, 

até parar, 

segura e firme, 

no meu pescoço. 

Deleito-me na ausência e sinto o fogo que te arde mas te não consome.

Permito-me terminar num êxtase de cinzas até a noite voltar a ser verso. 

Venho aqui para ouvir os pássaros. 

Depois, talvez, os sinos.

E depois, ainda, o que resta por dentro de mim.

Não há silêncio de verdade nos lugares onde procuramos o silêncio. Há outro volume de sons. Outra textura. Outra dor. Mas há sempre um qualquer ruído por dentro. Uma qualquer voz. Um murmúrio de qualquer coisa. 

Tocam os sinos, cantam os pássaros, 

ou será que gritam?

Ouço o resfolhar de asas e cantos entre as árvores enquanto o vento as acaricia ao de leve. 

Ouvem-se os restos da cidade na curta distância que vai deste lugar até aos sons que saltam entre o telhado dos sinos e a copa dos pinheiros. 

Há vida aqui, talvez, no lugar do murmúrio de silêncio que guarda os que já partiram.