08/08/2013

in media vita, mortus sumus


olho para trás. miro a vida desenhada numa linha sinuosa, de contornos de avanços e de recuos, de becos sem saída e de autoestradas de vias percorridas, de veredas calcorreadas a pé descalço ao fruto de suor e de escorridas felicidades. uma linha de vida traçada ao fio de grãos de areia: imponente e impotente ao abraço da brisa que sopra ao rés-do-chão da vida. foi.

olho para trás. e toda a linha é uma extensão desalinhada e alinhavada com pedaços colhidos e deixados para que o peso fosse suportável. Miguel Torga tem uma expressão invejável pela sua imagem completa: será que desta vida fica ao menos uma baba como a do caracól que possa reluzir quando o raio do sol nela toque? permanecer.

olho para trás. em nenhures da linha escrevi que entre a autenticidade (a vida do espírito) e a efectividade (a vida da acção) da vida existia um hiato tão grande que nele cabiam outras tantas vidas. somos tantos e tão diferentes a viver a mesma vida, a aguentar a areia desta linha desalinhada de direita – ser tantos de um e um em tantos: estou aqui sentado. diferentemente.

olho para trás. ser é ser incomunicável: por maior e mais alto que seja o grito existencial, ele soará sempre a silêncio. escutar.

olho para trás. há momentos em que tudo corre alucinante de tão rapidamente que só é comparável à lentidão imóvel de outras ocasiões. a clareira de um sorriso dá sentido à floresta inteira, porque há sorriso e há floresta em não haver. respirar.

a meio da vida estamos mortos: olho para trás e aí miro a extensão da linha defronte; poderia ser maior ou mais curta, mas é tão-somente a extensão onde descansar o peso que, na tal-vez, seja incomportável ou ainda o lugar onde erguer uma montanha de movimento. interlúdio.

tudo o que puder ser, desafiando a impossibilidade, repousará sobre os ombros do meu mirar e desse peso farei a minha sepultura. esperar.