25/04/2019

saPere

Estou a viver na aresta do tempo. Revejo-me nas partículas de pó. Encontro-me nos resquícios das folhas que se despedem do inverno. Sossego-me no aroma das flores que acordam nos amores das manhãs de março. 

Sei exactamente quem sou e depois disso sei absolutamente mais nada. 


diFerE

podia ter sido diferente
se minha travessia do deserto 
se tivesse transformado 
em mar
se teu mar
tivesse sido um pouco de 
duna.

podia ter sido um lugar 
diferente este
em que nos 
(des)encontrámos.



pAlaVra

Começo a tocar o vento com as palavras que leio nas tuas mãos. Respiro no silêncio com que tua pele me cobre e fecho os olhos sob o manto frio da madrugada. Existo para te saber. Respiro apenas para te sentir. Sou tudo o que resta da tua confirmação. 

Começo a tocar as palavras que o vento leva e que o tempo traz de volta aqui. Cada linha um recomeço. Cada letra uma certeza. Cada frase a essência da tua serenidade. 

Começo a tocar-te nos dedos até que todas as palavras sejam apenas tinta no silêncio que nos cobre. 

02/04/2019

mAlaCh

toco nas margens deste rio como se te tocasse nas asas. 
repito teu nome em silêncio. em segredo. para que ninguém possa, jamais, 
saber por onde espero. 
sinto a ponta de minhas asas já queimadas do fogo de ter já sido. 
poderei voltar a voar?
toco-te nas margens de ti até saber o rio. 
meço a distância que separa a terra e a água, 
água e horizonte,
    horizonte e eteriedade. 
sinto meu corpo abandonar o lugar e ser apenas tempo.
caminho a arrastar as asas cansadas mas não desisto de seguir. 
em frente. 
em direcção de ti. 
seguindo na linha que me separa do horizonte de ser o que está para além 
de mim. 
toco-te nas asas.
é aí que reconheço a margem certa do rio que desagua 
em mim.  

susPenso

Estou suspenso num pilar de ferro. Mãos a segurarem os cabos de aço que unem este ponto, que nos separam da queda.
Pés descalços a calcar o ar que ciranda por entre o frio do fim do inverno.
Estou suspenso em finos fios de aço que me atravessam por dentro e me seguram ao começo de mim. 
Ar e água. Por debaixo da minha nudez, só ar e água no vento frio do princípio da noite.
Seguram-me nas palavras que ouvi antes de chegar até este lugar, até este tempo que se encerrou por dentro do meu corpo. Como se estivesse parado. Como se a ambiguidade me tivesse rasgado a pele em duas partes. Uma mão a segurar no aço. Outra mão suspensa no vazio.
Que lado se escolhe?