31/12/2009

findo

hoje é o fim
não precisas de dizer nada. não precisas de olhar para mim
hoje é o fim de ontem
podes dizer que chegou o momento certo. porque é este o momento certo
se não estivesse aqui estaria no deserto.
tenho sede do deserto...tanta sede...
se não estivesse aqui estaria no lugar certo.e não estou.
podes dizer que é verdade. podes olhar-me nas costas.
hoje é o fim daquilo que começámos há tanto tempo.
chegou depressa. não demasiado. mas chegou e agora está à nossa frente tudo o que restou disso.
cheira a restos. a fumo. a cinzas.
cheira a ti derramado em mim e cheira a chuva.
nas ruas já não há sangue. hoje não há sangue.
talvez não haja mais do esta sinestesia de nós no fim das coisas.
talvez não haja realmente nada de importante no fim das coisas.
hoje é hoje e hoje termina o ontem e começa o que vem depois da noite. e nada disto tem qualquer importância porque amanhã vai estar tudo igual e não há nada que nenhum de nós possa fazer contra isso.
deixa-me ficar aqui. o silêncio é mais fundo aqui.
talvez consiga ver o deserto em mim.
talvez consiga cheirar a areia e possa abandonar a chuva.
talvez a noite não chegue a terminar e tu olhes de frente para o lugar onde eu já não consigo estar enquanto a tempestadde continua.
e talvez...por uma qualquer possibilidade amanhã eu já não esteja aqui.

15/12/2009

Um texto inacabado I

{Um rasgo de cegueira}

ver, além da lucidez do sagrado e da mistificação do profano, que há sentido na miséria e na nudez de ser, sem mais nada. E esse mirar, dado nos dias de serena acalmia ou no auge exponencial de uma tempestade, impregna – dirias – a alma por dentro e corre, bombeado e repetidamente, ao longo do corpo, num calmo alarido de surdez – foram várias as vezes que nos falamos ou as vezes que falaste no meu silêncio ou o meu silêncio falou na tua ausência ou a tua ausência foi presença mais que perfeita em mim – de não poder ser de outra forma, senão esta, dada aqui, até ao fim. E tudo o que percepcionamos – limado pela protuberância da íris na equação exponencial da perspectiva – é moldado à forma que somos, às nossas curvaturas rectilíneas e às nossas rectas sinuosas, privado de ser e munido de aparência – demorei mais tempo do que o costume para subir à terra do centeio, fiquei parada no lanço que escancarou o mirar à largura do horizonte; e nessa linha que suspende e separa o tempo da eternidade, vieste na tua ausência e quando me alcançaste, já não era eu que estava, mas tão-somente a minha presença a exalar a minha ausência; digo-te, no sussurro lançado pela neblina matinal, que ver e ser são modalidades sem distinção: vês o que és ] e [ és que vês – e o meio é o lanço onde me demoro.

11/12/2009


É para ser visto com som!!!


02/12/2009

velho

Sinto-me velho.
O meu corpo não se sustém.
A minha pele é areia e rasgos.
A minha imagem não me reconhece no espelho.
Sou eu e sou outro qualquer deixado por mim numa qualquer curva do tempo. Isto que fui e isto que sou não parecem pertencer ao mesmo lugar.
Ainda que me procure nos restos das cartas, no pó dos livros, nas folhas esquecidas e nas palavras desenhadas a tinta preta, não encontro muita coisa. Não encontro quase nada.
Sinto-me velho.
Sou o que resta do que fui. Um dia. Um dia grande em que a noite parecia que não tinha fim. Em que o dia não terminava nunca. Em que as coisas eram simples e inteiras.
Hoje, hoje não me reconheço na sombra. Não me sustenho de pé. Não tenho vontade.
Hoje queria derramar-me na tinta e escrever-me inteiro sem sentido. E nem isso consigo.
Evito caminhar com receio da queda.
Evito escrever no temor do erro.
Evito sentir pela agonia do vazio.
Evito olhar-me pela subtileza da dor.
Evito ser como se existir pudesse ser contornável.
O certo é que hoje, neste preciso momento em que o frio me entra pelas janelas abertas por toda a casa, sinto-me assim. Envelhecido. Sem rosto. Sem sombra. E vazio.
Resta-me a esperança cega de que amanhã, quando esta noite terminar, seja menos difícil respirar.