01/04/2014


Cheira a cinzas e a vazio.
Faz frio aqui.
As vozes, roucas, entoam melodias há muito esquecidas.
Nesta casa não existe amanhã. Existe apenas o que sobra da noite quando o dia decide partir. Sobra apenas a madeira antiga a rasgar a pele dos pés despidos.
Se ouvires com atenção, reconheces que o silêncio já não está aqui. Que há um ruído interminável a sobrevoar toda a capacidade de respirar e deixas de querer respirar. Às vezes deixas de querer respirar e passas a querer ser a chuva que corre do lado de fora dos vidros, das paredes, da madeira, e transforma a terra no lodo onde te podias deixar tombar.
Se escutares com atenção o que o vento dentro da tua memória dita, verás que as coisas que não podem ser alteradas, são como esculturas esculpidas no gelo que existe dentro de cada um de nós. Gelo que nenhum sol pode derreter.

Por isso faz tanto frio aqui. Por isso não podes, nunca, chegar a ser chuva.

Por vezes não me encontro no lugar que ocupo. Não me reconheço na imagem projectada. Não revejo os gestos dentro do corpo como se o mesmo fosse meu. Conto o tempo e não sei onde estive. Reconto os passos e não sei de onde vim. Atravesso as memórias difusas, em névoa, dentro das imagens que guardei e não tenho a certeza de serem reais. Perco-me demasiadas vezes no caminho para ter sabido ter estado ali. Preciso do que reconheço não poder nunca chegar a ter e iludo-me na sensação de que não sou eu quem procura. Quero olhar para mim e juro que não me encontro aqui. Eu não sou eu nem o outro, sou qualquer coisa de intermédio, dizia o poeta morto dentro de si mesmo. Eu não sou eu sem ti. E essa é a única verdade do universo que eu reconheço. E tu és o único lugar em que eu existo.