Cheira a cinzas e a vazio.
Faz frio aqui.
As vozes, roucas, entoam melodias há muito esquecidas.
Nesta casa não existe amanhã. Existe apenas o que sobra da
noite quando o dia decide partir. Sobra apenas a madeira antiga a rasgar a pele
dos pés despidos.
Se ouvires com atenção, reconheces que o silêncio já não
está aqui. Que há um ruído interminável a sobrevoar toda a capacidade de
respirar e deixas de querer respirar. Às vezes deixas de querer respirar e
passas a querer ser a chuva que corre do lado de fora dos vidros, das paredes,
da madeira, e transforma a terra no lodo onde te podias deixar tombar.
Se escutares com atenção o que o vento dentro da tua memória
dita, verás que as coisas que não podem ser alteradas, são como esculturas
esculpidas no gelo que existe dentro de cada um de nós. Gelo que nenhum sol
pode derreter.
Por isso faz tanto frio aqui. Por isso não podes, nunca,
chegar a ser chuva.