11/11/2017

suNset

Cesso. 
Termino.
Recomeço. 
Respiro. Inalo a maré inteira. De pele descalça sobre a água gélida, tremo.
Renasço.
A areia por dentro da sombra e do sangue.
Reacendo.
Olhos fechados a ver tudo por dentro. Espaço. Tempo. O que foi. O que há de vir. Onde estou. O lugar de mim. O espaço que ocupo por dentro da alma incendiada. 
Renasço das cinzas. 
Sinto o sabor acre da minha desilusão dentro da boca, dentro da pele, inteira dentro de mim, a escorrer-me no peito, a salgar-me as palavras.
Daqui a pouco cai a noite sobre mim. Mas talvez já não seja importante, não agora. 
Ao fundo, escuto vozes que se perdem no vento frio de outono. 
A luz atravessa-me inteiro.
Espero.
Reponho a angústia no lugar certo. 
Esqueço.
Esqueço-me.
Perdoo-me.
Sinto o frio nos pés que caminharam esta vida por inteiro.
Recordo os gestos.
Reponho, mentalmente, as imagens do caminho.
Invade-me a certeza absoluta da minha solidão imensa. 
Evado-me no bater das ondas.
Renasço.
A areia a doirar na queda da tarde e o frio a crescer por dentro deste abismo.  
Esqueço-te.
Solto as palavras com um lápis de carvão e compreendo, finalmente compreendo, que não preciso ser mais do que isto que reside inteiramente em mim. 
Temo que o sangue cesse de respirar. Preciso mais tempo para descobrir o que falta. Para encontrar mais um caminho. Para desfazer uma solidão mais clara. 
Escuto o embater das ondas na areia e é o som das coisas tristes.
Recomeço.
O mar inteiro repete o meu nome e eu escuto por dentro. De olhos encerrados por dentro.
Respiro.
Esqueço. 
Perdoo.
Recomeço a partir do silêncio que faz dentro de mim. 

j'attend

Aguardo cada pormenor do dia para te encontrar.
É nos detalhes mais ínfimos de tudo o que faço o lugar em que te encontro. Quando menos espero. Quando menos quero. 
Sei-te como se sabem as feridas que não saram nunca. 
Escuto-te como o silêncio que me invade a noite.
Guardo-te como se guardam as coisas mais sagradas.
Queimo-te para que te desfaças de mim e não regresses aqui, nunca mais. 

24/10/2017

16/10/2017

Preciso falar-te. Ouvir-te na voz. Sentir-te na pele. Saber-te por dentro da alma.
Preciso escutar-te. Saborear-te nos silêncios intermináveis. Roubar-te a essência nas palavras sorridas. Perscrutar-te por dentro até encontrar a paz.
Preciso saber-te no lugar em que me desfaço. Sentir-te onde a angústia pode terminar. Guardar-te num lugar sagrado. 

14/10/2017

Não me sinto no lugar que ocupo.
Não me reconheço nesta dor, nesta angustia.
Não me sei quando me toco.
Comecei no lugar exacto do fim e não consegui avançar nem um passo.
Balanço na corda que divide o mundo de dentro e tudo o que sucede aqui e não consigo atravessar.
Sofro no silêncio dos deuses as coisas todas que não posso contar.
Estou inteira e absolutamente só.

13/10/2017

cai sobre ti o meu pensamento. pergunto-me o que pensas neste momento preciso e onde caem os teus sonhos e a tua confusão.
vejo-te a sorrir pela névoa das lágrimas que abraçam a noite e fecho os olhos por dentro. quase que te sinto por dentro.
escuto os movimentos da noite sobre a cidade enquanto anseio que o silêncio se instale aqui.
fico atento a todos os movimentos e a todos os gestos de todas as sombras até chegar a ti.
penso-te. penso em nada. penso no vazio que te incompleta e na solidão imensa que te atormenta.
aguardo até ouvir a tua voz na cidade emersa no silêncio que faz por dentro da noite que reside eternamente em ti. 

10/10/2017

Sento-me no lugar mais escuro que encontro por dentro e espero.
Tento acalmar o pensamento entorpecido pela sucessão interminável de imagens erradas.
Respiro fundo.
Conto até não me lembrar mais dos números, até ficar sem poder respirar.
Sento-me no lugar mais fundo de mim e espero.  

29/09/2017

en passant

Perscrutei todas as memórias antigas. Senti-me por dentro, como antes, no teu corpo.
Deleitei-me com as angústias esquecidas. Deixei-me ficar.
Deixei-me sangrar. Vazei-me de intenções e de realidades e silenciei a dor.
Terminei por aqui.
O passado é o lugar reservado ao que não consegui guardar.
Senti-me por dentro até desaparecer no pó.

27/09/2017

bellow

"Há pessoas que não podem esperar para se verem livres de si próprias, enquanto outras não aceitam deixar partir ninguém."

Saul Bellow
Morrem Mais de Mágoa
Quetzal
2010
pp 416

jaNela

Queria ouvir-te dizer meu nome. Queria ver-me na tua voz, nas tuas mãos, no tempo que fica entre o lugar de aqui e o lugar em que te deixei.
Havia uma janela e a tua imagem por detrás da sombra. Olhos vazos. Corpo desprovido de sentido. Pele sem pele. Desnudado perante o frio que faz na montanha em que ascendo até me desfazer em cinzas.
Guardo o tempo na certeza de que não vou poder voltar a ti. O nosso tempo terminou.
Resta-me, agora e apenas, esperar o momento em que te vou reencontrar. Em que te vou poder escutar e em que a tua solidão poderá abraçar a minha da mesma forma de antes.
Vou esperar que não partas antes de regressares até ao lugar que és em mim.

26/09/2017

maR

penso na forma como te moves.
como falas.
como o silêncio te preenche nos espaços vazios.
pego no gesto que tenho memorizado na minha pele e quase que te sinto na voz.
conto os passos que me levam de encontro ao mar e espero o momento certo para parar de respirar.

27/08/2017

obliVio

quero dizer-te que nesta praia onde nos esquecemos de ter sido, fomos tudo o que podíamos ser. mais não teria sido possível.
o mar leva o que resta do que ficou por dizer.
podes até ter esquecido os traços do meu corpo, mas jamais poderás esquecer as cicatrizes do que lhe infligiste ao longo de todos estes anos.
agora está tudo em ruína. agora está tudo a respirar sal pelas feridas e a ceder à lei da gravidade que o tempo comporta por dentro da vida. agora tudo apodrece e se desfaz nas nossas mãos.
quero dizer-te que é o mar que leva as palavras e me afoga. quero dizer-te que o tempo deixou tudo por dentro de minhas mãos e sou eu agora que ruo perante as cicatrizes de minh’alma e perante a memória do que foste.

Oblívio tudo o que jaz perante a luz morna desta lua de outono e entrego-me à certeza de que não posso ser mais do que o pó apodrecido desta praia ferida. 

distÂncia

sinto-te na ausência mais próximo do que alguma vez antes. 
penso no que pensarás agora que o silêncio se instalou aqui e eu já não posso falar mais. 
penso no que te assola a vontade agora que a agonia começou a desaparecer. 
diz-me o que fica entre estes vales e não chega ao rio. diz-me o que repousa sobre as cinzas da terra e sobre o fogo do teu olhar. diz-me como fazes para superar a tristeza que vem quando se perde o lugar certo. ensina-me a estar nesta distância. 
o silêncio atravessa-me no tempo antes do sino tocar. ergue-se a igreja de frente para um céu que não vejo inteiro. que não sei completo. que desconheço onde termina.
em frente há tudo sem haver nada. uma descontínua continuidade de qualquer coisa que ainda não sei bem o que é, o que será, o que poderá vir a ser.
seguro na ponta dos dedos a esperança. inalo no fumo a instabilidade que chega com o desconhecido de nós. confronto-me com o pó dos dias e a névoa que caiu sobre este espaço.
seguro o silêncio na ponta dos lábios enquanto aguardo as palavras certas.

23/08/2017

fiNe

procuro as palavras para te dizer que agora já não regresso aqui. 
procuras os gestos para me mostrares que tu permaneces. aqui.
como se dois caminhos não chegassem nunca ao mesmo lugar.
como duas linhas paralelas que nunca se tocam no mesmo ponto. 
assim ficamos nós. 
como se tudo o que foi já não tivesse espaço para ser mais. 

podemos terminar aqui. 

21/08/2017

dEstitueEre

Sinto que não sei dizer o que sinto. Não sei sentir o que sinto. De cada vez que te ouço. De cada vez que as palavras que dizes me atropelam por dentro e eu deixo de sentir. De querer sentir. Sinto sem sentir. Sem poder sentir. Sinto sem saber que sinto. Não quero sentir e por isso encerro-me sobre a ausência de mim mesmo e espero. Pego nas minhas mãos em silêncio e seguro-me por dentro. São finos fios de seda que me seguram por dentro. Sinto que sei que sinto o que não sei que sinto mas que sinto sem saber como sinto, onde sinto, porque sinto e sinto que não sei sentir como se sentir não fosse mais do que a própria existência em si e se eu não sinto talvez eu não exista e tudo aconteça aqui sem que eu faça realmente parte seja do que for desta confusa circunstância em que me encontro. Sinto que não sei sentir e sinto o vazio da existência inteira que se ausenta do interior de mim. Fico destituído de quem sou de cada vez que me penso e que me confronto comigo e deixo de querer sentir. Sinto que há pouco a que me segurar de cada vez que me permito sentir. Como se sentir não fosse mais do que o acto de morrer em agonia. Guardo-me. Escudo-me. Escolho parar. Tenho as mãos em silêncio e o pensamento em fuga. Não sei onde estou. Acordo suspenso na memória do que fui e onde estive antes de chegar aqui. Surpreendo-me quando meus pés tocam neste mesmo chão e desperto para o que me espera no caminho. Não me encontro em nada do que dizes. Tuas palavras são lanças projectadas sobre a minha incapacidade de ser mais, de sentir mais, de querer mais. Confundo-me e divido-me. Atropelo-me e desfaço-me na estrada em que começo agora a caminhar. Olho em frente e procuro encontrar algo a que me possa agarrar sem ter medo de me perder. Pego no silêncio que resta em mim para recomeçar a sentir. A sentir que posso sentir sem medo do que posso sentir. Sem me confundir. Pego na ausência de mim e sinto que posso começar. De novo. A sentir-me. 

16/08/2017

aGony

Tenho medo do que sinto. Não sei descrever o que se passa dentro da minha interpretação do que acontece em mim hoje. Confundo-me nos sons e nos olhares. Cesso. Espero. Perco-me nas mãos e nos corpos. Procuro por ti no meio das multidões e do fumo. Procuro por mim por dentro até que me afogo. Espero. Recomeço. Sinto o ar desaparecer por dentro. Tudo por dentro. Como se mais nada existisse. Como se mais nada pudesse ser depois disto. Esvazio-me por completo e não compreendo o que me assola. O que me agoniza. O que me aniquila. Procuro-te no meio da multidão e encontro-me, sozinho, suspenso no tempo, a olhar para um lugar vazo de sentido, na esperança eterna de que amanhã possa ser menos difícil estar aqui. 

15/08/2017

NightiNgale

Sento-me na pedra da janela a sussurrar a solidão. A noite abraça-me na sua pele quente e tremo. Pego nos fios do tempo suspenso entre o que foi e o que me espera e entranço-me na certeza de que o tempo não vai chegar.
Tenho os pés sujos de tanto caminhar descalço. Tenho as mãos feridas de tanto tactear o espaço que vai deste lugar que agora ocupo, até ao lugar que reservei ao meu fim.
Sinto o corpo ficar dormente. Sinto a boca a secar nas palavras enroladas, inventadas, perdidas, fundidas e as esquecidas. Sento-me à janela enquanto o fumo se dissipa no ar e entra na minha pele. Cheira a noite e a solidão.  Tudo sabe a acre e a desilusão. Tento falar mas guardo-me em silêncio. Não há ninguém a ouvir.

Cheira a solidão o abraço da noite de hoje. Sabe aos fios do tempo que se enlaçam e se desfazem e se aniquilam como se mais não fossem do que um sussurro a desaparecer no lugar reservado às coisas que permanecem na ausência. 
Sento-me na noite e aguardo o momento em que me desfaço no ar. 

nAuseaR

doí-me no corpo a desesperança. 
em todos os gestos, minha ideia de mim desfaz-se no ar.
tenho pouco que esperar deste lugar. pouco por que aguardar. 
tenho a náusea a navegar-me a alma. a segurar-me na pele. a dilacerar-me por dentro. 
reside uma quase total inexistência e mim. um pensamento único invade-me cada momento do tempo e furta-me o espaço de outro caminho.
tremo de frio enquanto lá fora não chove e tudo parece arder. 
estou a desfazer-me por dentro. doí-me a náusea inteira dentro de mim.

4 waLLs

Há coisas que se movem dentro de palavras e dentro de movimentos que se repetem dentro de mim ate à exaustão. Que se repetem até à minha decadência. Palavras e sentimentos que não se podem organizar. Olho-me no espelho e não me reconheço. Penso que estou a morrer nos momentos em que o mundo inteiro me diz que estou vivo. Acredito que estou vivo quando o mundo inteiro entende que morri. Sou o que começa e acaba sem ter chegado a ser. Sou o lugar de partida, a meta, o percurso que vai daqui, deste lugar que me parece que ocupo, até um qualquer ponto em um qualquer lugar onde seria suposto eu chegar. Perdoa o meu desconforto, mas não me encontro. Nem aqui nem fora de mim. Nem neste lugar nem em nenhum outro. Há movimentos que se perpetuam dentro do que penso. Coisas que me tocam, onde eu chego com a ponta dos dedos. Coisas que e fogem e que não recupero se não cair mais fundo no abismo que se abre ininterruptamente em mim. Coisas que me definem e que em mim definham. Coisas que começam. Outras que terminam. Outras que ficam a meio caminho entre mim e o resto. Um intermediário interminável e intransponível. Um homem sentado numa cadeira dentro de quatro paredes que se tocam apenas com a pele, que se lambem com o respirar, que se encerram na voz, que definem o tamanho de dentro da minha solidão. Sou o poema e a sua antítese. Sou a teoria e sua falha. Sou a constelação e a estrela que queda e se desvia. O fogo e as cinzas. O deserto e a mar. E tudo acontece em mim a uma velocidade incontrolável e com uma força que apenas parece inabalável. Sou a sombra e a luz. A noite e a alvorada. O meio do caminho. Não chego a partir nem chego a chegar. Há coisas que se movem dentro de mim em palavras que eu não conheço, de lugares que eu não compreendo completamente e que me conduzem eternamente a uma exaustão abissal na mais profunda das solidões possíveis.  

14/08/2017

sanGre

Caminhei descalça no asfalto quente até não poder mais sentir. 
Peguei nas palavras todas que dançavam dentro do meu pensamento e deixei-as no lugar reservado às cinzas. 
Viajei por dentro até embater numa parede inominável. Perscrutei o espaço onde o deserto se instalara e ouvi tudo o que me dizia o silêncio que me dilacerava a pele. 
Caminhei por dentro do meu pensamento até sangrar. 

Respiro pesadamente
aqui
onde o tempo não permanece 
aqui.

Respiro imensamente
enquanto procuro
sem procurar
o lugar onde
por mais uma vez
me esqueci.
aqui.

Não pertenço 
a este lugar
de aqui.

Respiro liminarmente
aqui
onde uma ultima vez
me perdi. 
De aqui. 

siLênCio

Seguro nos dedos o silêncio.
Lá fora, tudo permanece num movimento incessante.
Ouço tudo  que acontece fora de mim. Tudo o que permanece fora de mim.
Fecho as mãos sobre os dedos.
Silêncio.
Abro os olhos para me saber vivo. Seguro-me, imutável.
Inalo o ar pesado da tarde ardida em labaredas que não cessam nunca. Limpo as cinzas do cabelo e desfaço-me por dentro.
Seguro o  silêncio na ponta dos lábios. Não digo o que sinto. Não me sinto no que fica por dizer.
Há granito nas minhas mãos queimadas. Granito que se desfaz em cinza de cada vez que me ouço por dentro.
Sento-me na distância de mim e abro as mãos.
Fecho os olhos.
Silêncio.

tiNta

posso pegar na folha e chegar a lado nenhum. ler todas as palavras em todas as letras de todas as linhas e não chegar a lado nenhum. podia voltar a tentar, começar do principio, pegar pelo fim, acreditar que tudo ia mudar e, mesmo assim, não chegar a lado nenhum. 
projecto-me sobre o rio e caio na água fria. faz frio aqui quando abro os olhos, quando me levanto, quando pergunto por ti e não ouço nada de volta. deixo-me cair na água com o peso inteiro do mundo sobre minha pele. deixo-me diluir na água com o peso inteiro de ti sobre o pensamento. e quase me afogo. quase me desfaço. quase que me vejo impossibilitado de começar de novo.
escrevo as palavras sobre a água do rio enquanto faz frio dentro de mim. pensei que podia começar a chorar quando a minha voz perguntou por ti. mas não. hoje não. hoje começo partindo do fim e termino (n)as palavras todas.

31/07/2017

não há espaço para existir aqui

não há espaço para existir aqui. só paredes e este corredor que meus passos excedem e que não conduz a lugar nenhum. não há espaço para respirar aqui. para gritar. para correr. para voar. as grades circundam o ar a lembrar que não é possível fugir. o tempo que se suspende no corpo a lembrar que não é possível sonhar. não há espaço para existir aqui e eu morro um pouco mais cada noite que passa. respiro um pouco menos. movo-me até não ser mais possível e acabo por me fundir no lugar que ocupo. como se fosse nada. como se em nada me transformasse. como se ao nada finalmente regressasse. não há espaço para existir aqui por isso me morro. por isso desvaneço. por isso cesso de respirar até ser absolutamente nada.

28/07/2017

vEnto

Deixei de poder escrever. 
As letras saíram das palavras e perderam o caminho de volta. Não há retorno quando tudo cessa de respirar. Não há possibilidade de retorno quando se deixa de poder existir.

As folhas voaram no vento da noite. Sabes que faz vento aqui? Sabes que tudo se funde com a noite quando tudo se extingue numa espiral insane pelo vento dentro e não encontra o caminho de volta?

Vês as minhas mãos na pele? Vês as minhas mãos nos espinhos? Conta-me os passos enquanto me dirijo até ti. Conta-me nos momentos em que eu quase que desapareço do teu olhar e tu perdes o caminho de volta. Para mim. De mim. Em mim.


Deixei de te poder escrever. Escrevi-te metade da minha vida inteira e agora não consigo mais. Cheguei ao fim do caminho. Não encontro os passos de volta. Leva-me o vento. 
Extingo-me na noite.

26/07/2017

forGive

Perdoa meu embaraço. As palavras confundem-se dentro das vozes e as vozes confundem-se dentro dos olhos e os olhos dentro das mãos e as mãos dentro da distância e a distância dentro de mim. Perdoa minha angústia. Sou o que fica quando tudo termina, os restos da pele sobre a terra molhada, as sombras das folhas que o tempo fez cair, a penumbra dos lugares onde a luz nunca poderia ter chegado. Perdoa meu desespero. O facto de respirar apenas porque o corpo continua a seguir, continua a continuar a não parar a não ceder a não serenar. Perdoa a minha certeza. A de que vou chegar ao ponto em que existir sem viver não pode mais continuar a ser o lugar que me cabe. Perdoa quando eu partir. 

25/07/2017

Toquei-me na esperança que o dia terminasse. Contei as tábuas do caminho enquanto a chuva me macerava a ausência. Falei incessantemente para uma parede vazia e nada do que disse chegou a fazer sentido algum. As palavras só têm significado no escutar dos outros.


Se as palavras não forem ouvidas, de que vale serem proferidas?

escutA-me

escuta-me.
são sombras que te atravessam a pele. são restos de memorias vividas que te invadem e te colocam no espaço caótico em que te revês.
Escuta-me.
este é o lugar em que te reconstrois, em que recomeças, em que te podes reencontrar com quem eras antes de ti.
Escuta-me.
são apenas diabos a perseguirem-te por dentro mas tu tens escolha. Tens onde te segurar.
Escuta-me.

não precisas de desistir agora. Estamos quase a chegar. 

21/07/2017

ágUa

comecei por colocar os dedos sobre a água até deixar de ser.
perdi a pele sobre o tempo até deixar de ver.
troquei os passos pela dança até enlouquecer.
comecei no principio das coisas terminadas até ter destruído tudo
comecei por colocar a água sobre as mãos até adormecer.

18/07/2017

antÍtese

Não tenho que fazer nada. Não tenho de me mover. Lá fora tudo acontece, tudo está em movimento e eu aqui parado. Cessei no tempo que não passa. Tudo em torno de mim se move excepto eu mesmo. Estou, talvez, na antítese do lugar que havia construído antes de chegar aqui. Tracei as linhas certas do caminho certo mas acabei aqui, neste qualquer outro lugar que me é profundamente estranho e onde não me sinto. Tacteio a pele dos pés sobre o vento frio do norte para me saber vivo. Olho a noite que abraça o céu e revejo-me no reflexo deste tempo que me olha sem me ver. Penso no espaço que vai deste lugar até ao centro do universo, até ao lugar onde se termina de respirar e perco-me nas barreiras da angústia. Tudo acontece fora de mim enquanto eu respiro na incerteza de que o ar exista, na inválida insegurança de que pode chegar o dia em que eu possa, por fim, quedar-me deste lugar e encontrar o centro da noite. 

me myself & i

sou um lugar em que nada começa e em que tudo termina e não cresce, em que tudo nasce sem razão e em que não há razão em nada do que sinto e o que sinto são coisas imensamente distantes e estranhas e confusas e difusas e o que vejo são precipícios em que me quase que quedo e em que me quase que despedaço sem ter nunca começado verdadeiramente a caminhar e em que o caminho é sangue em feridas abertas ao sal das lágrimas que, em silêncio, desvelo e em que a terra que penso ter sobre os pés é apenas areia e em que os meus passos são apenas as sombras do que resta de mim quando tudo o que acontece por dentro me rouba as palavras e me desfaz a linha do pensamento e que dança dentro de mim e eu perco o norte e perco o sul e perco todos os pontos cardeais e deixo de poder contar seja com o que for, seja com quem for, e em que não encontro nada porque tudo o que está em mim está além de mim e aquilo que sofro ninguém entende nem ouve nem sente e eu não me consigo tocar nos dedos não me consigo tocar nas feridas não me consigo encontrar dentro de mim e sou um lugar em que termino sem ter chegado a começar porque de cada vez que dei lugar ao movimento, caí dentro de um vórtice dentro de uma aresta, dentro de um degelo dentro de um abismo, dentro de uma solidão tão estranha em mim, e procurei - confesso que procurei - por mim em todas as vozes em todos os ruídos em todas as pessoas que se puseram entre mim e mim e entre mim e o fim e entre mim e o começo e entre mim e outro lugar em que eu não precisasse de acordar, em que eu não precisasse de ser, em que eu não precisasse de nada para poder continuar, mas algo em mim me consome e dilacera, me termina e me assusta e me conduz a um lugar que não conheço dentro de mim e que não sei explicar e que não gosto e que me segura com garras fundas de noites inacabadas em que a única coisa que me podia salvar eram os que não estiveram não entenderam não souberam ouvir não quiseram ficar e não me agarraram nas mãos nem na alma, que me podiam ter segurado nestes finos fios de seda que ainda me prendiam à vida e por isso sou o lugar em que já nada pode começar porque tudo já teve o seu lugar e agora sou o que sou dentro de mim e não tenho as palavras que me possam libertar deste lugar em que uma parte de mim permanece sem poder fugir e outra onde me desfaço na mais absoluta solidão dentro do que resta de mim.

17/07/2017

comecei pelo fim. sangrei-me nas mãos e na alma até me diluir inteiro na chuva. comecei incessantemente a terminar no dia em que percebi que o acto de existir era superior a mim. ninguém viu quando tudo em mim ruiu pela primeira vez. quando deixei de saber sorrir. quando deixei de saber falar sobre o que acontecia em mim. comecei a terminar da primeira vez que me vi e deixei de ser eu e desde então, atravesso desertos que não terminam nunca e rasgo o meu corpo para saber que existo para além de tudo isto que não sei explicar mas que acontece em mim.