14/12/2010
08/12/2010
empty box - morphine
musgo
06/12/2010
29/11/2010
nEoMe
23/11/2010
chuva ardida
19/11/2010
cc II
cc
04/11/2010
Compreendo o porquê exacto que te leva a não chegares aqui.
[Tão louca razão que sabe não querer saber quando sabe.]
Vejo que o deserto não pode ser um lugar para quem só sabe amar o mar.
[Que há saudade do mar somente no deserto, finge:]
Percebeste, pouco depois de tocares esta areia, que o lugar de ti não podia acontecer aqui.
[e foi assim um feito des-feito]
Não podia ser agora.
[com desfecho:]
Sei porque é que não me tocas quando me suspendo no teu respirar.
[a distância encarnada, uma ligeira travessura:]
Sei porque não me olhas quando rasgo os pulsos e escorro o sangue como se fosse chuva.
[de seres impossível várias vezes, repetida e tragicamente, acontecida gota a gota.]
Reconheço que não saibas os passos que danço quando estás de costas para o lugar onde eu ainda consigo existir.
[Respira. Sente. Respira. Pensa. Respira… e mais um pouco, a pouco.]
Sei bem porque é que eu sou ainda um deserto.
[Acordo e sei que por detrás da janela – lá fora – há, inevitavelmente, gente.]
Sei bem que tu vais ser sempre o mar. Longe.
[E que ser gente é, paradoxalmente, evitável.]
03/11/2010
31/10/2010
18/10/2010
apneia
17/10/2010
lonjura
07/10/2010
Prelúdio
Parar entre dois mundos: tudo é feito do ser da aparência, a aparência de ser. É vazio atrás de vazio, mentira atrás de mentira, jogo atrás de jogo, manipulação atrás de manipulação, disfarce atrás de disfarce, logro de logro, adulação de adulação, aniquilação de aniquilação, inverdade de inverdade – é uma vazante mal cheirosa e viçosa de nada. Tiramos prazer de nada, sorrimos face a nada, abraçamos nada, adormecemos com nada, acordamos para nada, vivemos de nada. Esta pauperricidade que nos invadiu e percorre o nosso ser em vez de sangue, que usa o pulsar cordial na pujança da vitalidade é a nudez e é feia, para além de crua e de desproporcionada, é asco feito nojo. Nojentos que a morte não dignifica e a vida perpetua.
Onde está a lucerna que tantos e tão antigos proclamaram acerca da humanidade? Que é feito dessa faísca que chispa da fogueira anímica e sustém o universo, no cantar de Orfeu? A conversão euridiciana será sempre a nossa fatalidade e a esperança somente repousa em Cronos, que nos devora, inimbuchável, da nossa miséria feia e de asco.
ra.va.ge.
04/10/2010
"9 Crimes"
Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be thinking of you
It's the wrong time
For somebody new
It's a small crime
And I've got no excuse
Is that alright?
Give my gun away when it's loaded
Is that alright?
If u don't shoot it how am I supposed to hold it
Is that alright?
Give my gun away when it's loaded
Is that alright
With you?
Leave me out with the waste
This is not what I do
It's the wrong kind of place
To be cheating on you
It's the wrong time
She's pulling me through
It's a small crime
And I've got no excuse
Is that alright?
I give my gun away when it's loaded
Is that alright?
If you dont shoot it, how am I supposed to hold it
Is that alright?
I give my gun away when it's loaded
Is that alright
Is that alright with you?
Is that alright?
Is that alright?
Is that alright with you?
Is that alright?
Is that alright?
Is that alright with you?
No...
03/10/2010
27/09/2010
a aspereza dos dias
sós.
nas mãos
o desencontro dos escombros
ternos.
nos olhos
a desventura esperançada despedaçada do sorriso
aventurado.
na chuva
a melodia do mais brando e cruel
silêncio.
no andar
a tentativa de fuga do esgar do fogo
vazio.
no mar
a possibilidade segura de não mais
respirar.
na porta
20/09/2010
10/09/2010
devolutus
06/09/2010
pra.ia
estilhaço
Está aqui uma parede
de betão,
não,
de ferro,
não,
de aço,
não,
de fogo,
não,
de lama,
entre as minhas palavras e a tua capacidade de escuta.
Estou cansado.
Quero que saibas que estou cansado e que esta noite vou desistir sem tu saberes que eu desisti.
Estou tão exausto que não sinto os pés, não preencho a pele, não reconheço os restos dos meus restos.
Esta é a noite em que eu desisto de continuar a tentar. Não sei mais. Ninguém me estende as mãos à terra e me faz compreender. Ninguém transpõe o muro que
talvez,
de certa forma,
não seja o teu,
mas
o meu,
e o meu seja,
de certa forma,
idealmente,
muito maior que o teu.
Estou cansado.
Tenho lágrimas feitas de sal a escorrer-me nas chagas que me são os olhos.
Não quero ouvir mais nada hoje.
Não quero ver mais nada esta noite.
Sabes,
quero que saibas que desisti de tudo
mas não o vais saber.
Não,
não queres saber.
Não,
não vais saber do muro,
não vais escutar nada,
enquanto eu partir,
enquanto eu me desfizer
em lama,
não,
em fogo,
não,
em aço,
não,
em ferro,
não,
em betão,
não,
em chuva.
Enquanto eu não me desfizer em chuva.
05/09/2010
Perscrutamos cada parte do caminho, devastamos o corpo e a alma na demanda de uma qualquer razão,
de um sentido consentido,
de um porto para atracar.
Mas é no momento exacto em que nos reconhecemos,
ainda que sem espelho,
ainda que sem imagem,
e nos sabemos,
que quedamos como aves padecidas em pleno voo
e quedamos
e quedamos
e quedamos
sem nada a amortecer a queda,
até embatermos na terra fria.
27/08/2010
22/08/2010
19/08/2010
15/08/2010
Não quero sequer que me fales ou que olhes para mim. Que tentes. Que procures.
Deixa.
Deixa-me.
Já me abandonaste há tanto tempo que é absurdo ainda estares aqui.
Não me procures nos restos de comida nem de pó.
Já não estou neste lugar há tanto tempo que já nem me lembro bem a que cheiras.
Sabes que no infinito as linhas paralelas não se tocam. Sabes que no infinito não há mais do que buracos negros e nós chegamos a ver o fim disso que não tem fim sem precisar lá chegarmos.
Se pudesse já estava com o resto do corpo largado na terra húmida.
Se pudesse já não estava aqui e já não respirava.
E se pudesse ser de outra forma já nem te lembrarias meu nome eu já não teria nada por que esperar.
13/08/2010
09/08/2010
Se não te conhecesse tão bem acharia que me respondias que se pode partir de tantas maneiras como se pode ficar. Logo de seguida, com o teu sorriso traçado de ironia, dirias que se pode partir de tantas formas como se pode amar.
E como se pode amar, perguntaria eu com um ar de criança assustada.
Ah, pois bem. Olharias para mim como se o mundo fosse terminar naquele exacto segundo e esperarias que o sino da igreja desse conta das horas para me sorrires. Fecharias os olhos como quem não precisa de conhecer a luminosidade do dia para se ter sabido sempre nela, e dirias que se pode amar de tantas maneiras como se pode partir porque se pode partir de tantas maneiras como se pode amar e que se ama incondicionalmente quando se aprende a deixar partir.
E como se sabe que se ama?
Quando ficar deixa de ser possivel e a iminência da partida se torna tão dificilmente tolerável e tão inevitavelmente necessária.
estória
Tiro os olhos de ti e deixo-os cair sobre as minhas mãos. Meu punho banhado de sangue. Desenhado nos nós dos dedos, o resto de ti. Alisa. Eu. Tu. Olho as mãos paradas num tremor que sinto que se vai eternizar a partir deste preciso momento. Tremo como se fosse frio isto que me rega o corpo todo mas não. Apesar da chuva não faz frio. Apesar de tudo isto, não faz frio. Nas mãos tenho o temor e as rugas. Sim, consigo ver tudo debaixo do sangue sujo. Consigo ver as marcas do tempo que me vandaliza por dentro, que me dilacera e me desfaz com o toque sereno de uma lança afiada. Desvio os olhos para ti enquanto alguém te levanta do chão. Olho os teus pés (já descalços), e os teus joelhos (já negros), o teu vestido (já rasgado), o teu peito (já seco) e a tua boca…a tua boca…Aposto que neste momento querias que te olhasse nos olhos e eu sigo para as mãos que são minhas e onde tu já não estás. Limpo na camisa o que restou de ti e bebo o que me sobra no copo. O balcão está ainda mais conspurcado. Tu estás ainda mais pura. Mais a cheirar a chuva. As minhas mãos são a prova de que eu e tu e ela já envelhecemos. Eu nas mãos e na alma, tu no sangue e na memória, ela na distância ausente de quem não está e é um jamais contido em nós. Porque insistes em regressar sempre? Porque insistes em vir de encontro a este lugar que já não tem espaço para o que nos separou quando nos uniu para sempre? Olho-te de frente enquanto as tuas mãos choram. Levas os dedos ao cabelo baço e seguras o negro dos teus olhos como se me segurasses a traqueia. Sinto-me velho. Sinto-te a morrer. Fecho os olhos e sei que posso morrer, que devia ter sido eu a morrer, assim, como ela. Jazemos os dois. Tu e eu vivemos o fim depois do fim e não encontrámos mais o caminho de volta. Diz-me porque insistes em voltar? Porque insisto em não conseguir partir?
Enlaça teus dedos na minha traqueia enquanto as minhas mãos velhas quedam para onde antes estava o teu sangue. Não adormeças. Por favor, não adormeças.
31/07/2010
muralha
Podias ter tentado perder-te por entre as escadas que rodeiam as muralhas. Mas não.
O céu estava condensado, a suster um suspiro que se encontra na razão de se ser, simplesmente, assim.
Encontraste a tua voz no lugar da terra, na proa da traineira, na insistência do nevoeiro. Encontraste-te na música, nas gentes, na razão de uma qualquer existência.
Quiseste dizer, a quem não te vê nunca, que és o tudo que pode ser por entre as muralhas de um castelo. E isso, podendo ser o lugar mais inteiro da tua distância, pode ser o lugar mais perfeito da possibilidade da tua entrega.
E foi quando a noite caiu sobre a música e eu te ouvi nas palavras que eram minhas, e que encontraste a possibilidade de sair do caminho que há tanto atravessas só.
26/07/2010
Voltaire, "Cândido e o Optimismo"
"Haverá coisa mais tola do que querer carregar continuamente um fardo que se quer a todo o custo largar por terra?”
"Quando não somos tidos em conta num mundo, encontramo-la num outro.”
“E que coisa é esse optimismo? Dizia Cacambo. – Ai! Disse Cândido, é a mania de defender que tudo está bem quando tudo está mal.”
"Todos os acontecimentos se encadearam no melhor dos mundos possíveis.”
Cândido e o Optimismo
VoltaireTinta da China
1ª Edição
2006
Dado a conhecer ao meu mundo por uma criatura sublime de um outro mundo sublime a quem muito agradeço!
um livro delicioso. imensamente bem escrito. intensamente cheio.
escrito em 1759. imperdivel para os curiosos da história.
24/07/2010
Preciso que saibas isso. Pode ser a última coisa que eu venha dizer.
As pessoas todas se afastaram daqui. Ninguém ficou para me contar uma história, para me olhar nos olhos e saber quem eu posso ser debaixo das folhas.
Consegues ver as linhas que desenhei? Foram a carvão. Consegues ver debaixo da areia? As linhas estão lá. Desenhadas com o que sobrou da madeira queimada. Com o que sobra do fogo.
Estão longe da água. Viste? Conseguiste ver?
Fica só um mais um bocadinho. Toda a gente desapareceu e agora só sobraram as dunas.
Há demasiado silêncio aqui e é quase como se eu também já não estivesse. Já não me ouço. E não posso errar outra vez no caminho. Desta vez não vou saber regressar. Estou demasiado cansado.
Lembras, quando corríamos juntos na areia? Lembras-te do dia em que deixámos de ter medo? Olhámos para debaixo das folhas e vimos o resto. Deixámos de ter medo.
Se pudesses ficar mais um bocadinho, de certeza que não haveria tanto ruído. Não havia tanto silêncio. Podias contar-me uma história.
Sabes... já não está mais ninguém para chegar. Já não há mais ninguém para partir. Eu sou a folha e tu estás além da terra.
Eu vou perder-me agora que não consigo ouvir nada. Não tenho medo desde que atravessámos as dunas a correr e era só deserto que vinha depois. Mas agora estou demasiado cansado para me recordar do caminho de volta.
As linhas, se olhares bem, vês que ficaram tortas. Será também o caminho torto? Talvez seja como a linha de água. Confuso, indeterminado, cheio de sal, de espuma, sem direcção definida. Talvez seja preciso errar no caminho. Ainda que depois não se consiga voltar.
Debaixo da terra das folhas há tudo o resto. Tu sabes.
21/07/2010
“E só por isso escrevo – para que continuadamente me reconheça vivo no escrever, para que o sondar-me desencontradamente seja ainda uma forma de me encontrar, para que o ininteligível de mim e da vida seja ainda vida e o simples inteligível dela como vida que é. “
Invocação ao meu Corpo
Bertrand
3ª Edição, 1994
Invocação ao meu Corpo
Bertrand
3ª Edição, 1994
15/07/2010
"Oficio Exacto" - Gonçalo M. Tavares
Gonçalo M.Tavares
Breves Notas Sobre o Medo
Ed. Relógio D'Água
2007
O mundo tem as cores que conseguires ver. Por todo o lado. Em cada lugar. Em cada tempo.
E talvez até se possam ver os cheiros que cada cor tem. Magnólia. Jasmim. Camélia. Sol. Chuva. Tempo.
O deserto tem a cor que se pode saber ver.
Enquanto se souber caminhar de pés descalços sobre a areia quente e sobre a terra molhada, é possível chegar a saber (quase) tudo.
14/07/2010
Aproximar-me à beira da tua sombra e ver-te sem te ver.
Tocar-te na ausência de ti e saber o teu lugar por ser.
Unir-te no que sobra de mim (como se em mim restasse alguma coisa)
Sem saber exactamente o que unir significa porque não chego a ti e é
Como se mais nada houvesse entre aquilo que nos separa e aquilo que nos colocou no mesmo lugar sem tempo.
Antes de tudo o resto, chegaste para partires das minhas mãos. E isso vai ter de ser o resto do que falta.
je te vais laisser disparaître.
13/07/2010
O
Segura-me os dedos das mãos enquanto me viro de costas.
Puxa a pele. Toda. Inteira. Não hesites.
Rasga tudo o que te parecer a mais. Até veres a carne toda. Até veres o osso.
Agora lambe.
Enquanto eu estiver assim não te vejo. Enquanto eu não te vejo, não preciso de ti.
Faz o que quiseres. Liberta-me as mãos. Coloca-te sobre o meu vazio e fode-me. Assim. Em silêncio. Como se eu não estivesse aqui e voltasses a ser só tu.
A noite não arrefeceu o suficiente hoje. Cala-te. Cala-te. Cala-te. Cala-te. Cala-te. Cala-te.
Segura-me as costas. O cabelo. Segura. Enquanto não te vejo não me fazes falta. Não digas nada. Devasta-me. Destrói-me. Hoje não sou mais do que isto. Enquanto não te vejo não me reconheço. Deixa-me de frente ao meu vazio e fecha as mãos sobre o teu sangue.
Aniquila-me. Agora. Cala-te.
11/07/2010
coloco as pontas dos dedos no contorno do sangue e sinto-te cair.
seguro-te no momento em que o tempo se esvai e o sentido se perde quase como que irremediavelmente.
e depois da iminência da queda chega o fragmento do tempo que
- ébrio e em nudez absoluta -
anuncia a lugar das coisas suspensas em silêncio.
escrito em out de 2006, aqui
http://rasgosdeluz.blogspot.com/
10/07/2010
Hoje olho para mim e encontro tão pouco. Olho para a ausência de ti e vejo o caminho inteiro que eu fiquei por percorrer. E talvez tenha medo. Talvez não saiba bem onde estou. Talvez não consiga reconhecer, com precisão, o lugar que ocupo aqui.
Tu não estás aqui. Não estás aqui há tanto tempo que dentro do meu sangue e da minha pele parece uma eternidade – como se a eternidade se pudesse sentir como algo de mensurável – mas foi tudo ontem. Foi só ontem. Foi hoje. Agora. Neste preciso momento em que sinto tudo a desaparecer. Em que tento segurar a fugacidade dos momentos nas mãos e não sei agarrar nada.
Tento respirar. Tu sabes que eu sempre tentei respirar como se o ar fosse aquele que só passa no cimo das montanhas. Pequeno, rarefeito, cheio de ausências.
Mas olho para mim e não vejo o que me falta. Sei que sou tudo o que não sei ser e essa é a pior parte de mim e tu, tu eras a melhor parte de mim e agora eu sou pouco. E isso, na maior parte dos dias não me chega. Na maior parte das noites não me satisfaz.
Não sou aquilo que era suposto ser. Não chego a ser aquilo que era previsto. Depois de ti deixou de haver lugar para mim.
Ainda hoje escavo com os dedos em ferida a terra e as folhas e o húmus à procura do que me falta. Às vezes tenho a certeza que não vou encontrar mais nada. Às vezes acredito que vou saber procurar melhor no dia seguinte. Às vezes não sei rigorosamente nada.
O tempo tem toda a importância que eu lhe consigo dar. Hoje sei que vai ser tudo tão magoado como tem sido até aqui. Vai sendo cada vez menos. Vai acontecendo tudo cada vez com menor incapacidade. Mas quando fecho os olhos vejo os teus. Sinto o teu cheiro como se estivesses nas minhas mãos.
Deixo de existir no dia que te perder daqui.
Mas mesmo assim não estás. Não estás aqui há muito tempo. Fiquei eu a procurar o que me falta do caminho. Fecho os olhos para acreditar que vou conseguir olhar para ti de frente e sentir que me seguras as mãos outra vez. Fecho os olhos. Conto os dedos. 9.
Sabes que me resta pouco. Por mais que tente. Por mais que julgue ser capaz. Sabes melhor que ninguém quem eu fui até ti. E guardas o segredo na tua pele. Nas tuas mãos fechadas. Nos teus olhos negros a desenhar-me em asas de anjos dourados. E isso vai ter de continuar a bastar-me. Mais um dia. Mais uma noite. Até eu desaparecer.
07/07/2010
03/07/2010
innuendo
01/07/2010
everything else
Tua infinidade está muito além das minhas mãos.
Só tu podes ser como o vento.
26/06/2010
Senhor, partem tão tristes
confirmação
Segredei-me nas costas da noite mas era para mim apenas que falava. Não estava mais ninguém. Por perto.
A noite deixou-me de costas para a certeza de que, afinal, nunca tinhas estado. Perto.
Eu sou o que resta da minha ausência. Tu és o que resta da minha confirmação.
25/06/2010
24/06/2010
estória VI
Alisa. Envelheceste, foram os anos que passaram, a correr caminhos acima e abaixo da tua altura. A lua subiu e desceu tantas vezes banhadas pelo sol e tantas outras se escondeu, aninhada, pela terra. Sabes que está próximo. Que é hoje, que é sempre hoje e não amanhã, e nem poderia ter sido ontem. Olhas-me ainda, vives-me ainda, para seres depois de mim. Acalentas o limite do teu corpo como um enamorado apaixonado no desejo de desejar, e sabes no gesto da carícia a fronteira. Alisa. Foi o tempo que se escorreu ao longo do teu corpo, moldando a erosão das lisas arestas das curvas desenhadas. Arrastas os teus pés no peso de os mover. Peso. Seguras-te a pretexto em cada toque dado em cada recanto. Pretexto. E o ar puro no fôlego que te insufla os pulmões. Fôlego. E são tão pequenas e tão longínquas as tuas sete vezes, os teus punhos, o meu sangue, a tua violência, o meu silêncio, a tua e a minha de tudo e de nada. Alisa. Envelheci. Fui sendo nos momentos e nas situações; fui colhendo sentidos e significados; fui guardando memórias e aspirações; fui aninhando amores odiados e desamando afectos; fui-me deixando aqui e além. Envelheci, vivi-me: quando chegar a hora estará tudo saldado e não haverá nada para morrer, a não ser a morte. Alisa. Falas tão poucas vezes comigo – dizes-me, silenciosamente – e esse teu comportamento infernal, agressivo é a presença que sempre foi a falta em mim. Esqueço. Hoje esqueço-me regularmente de esquecer, e tudo o que lembro vive na penumbra de um véu diáfano, que de tão presente chega a ser mais do que ser, aparência. Envelheceste.