17/10/2010

lonjura


Quando a encontrei, estava sentada no cimo de um muro alto, na berma da estrada.
Não dizia uma única palavra. Não expressava nenhum som. Olhei-a como se olham as coisas que estão no cimo de nós e esperei que me olhasse de volta. Insisti até a posição do corpo me dizer para colocar os olhos sobre a terra.
Havia lama na berma. Tinha chovido toda a noite. Algo me fazia crer que ela teria ali estado o tempo inteiro que uma noite leva a passar. Debaixo da chuva. No cimo daquele muro.
Chamei-a pelo nome e recordei-me de como adoro a forma como tu dizes o meu. Sorri como quem se lembra das coisas importantes da vida e retomei a olhá-la. Chamei mais uma vez.
Ela acabou por olhar para mim e a ver-me como se vêem as coisas que se não querem ver. Olhou através do meu corpo e não ligou nenhuma importância ao facto de estar ali, parado, com os resquícios da noite de chuva nos pés e na roupa.
Percebi que tinha saído descalço de casa…há quanto tempo não saía assim? Como poderia ter-me esquecido? Como podia ainda não ter sentido o frio da lama – sim, como estava fria sob o cerco do frio de Novembro – a passear-me na pele.
Imaginei que me tocavas nos pés à medida que recomeçava, tão lentamente, a chover. Percebi que sempre fez parte de mim – ainda antes de te ver pela primeira vez – essa forma como sorris. Sempre. A parte de mim que ainda não tinha encontrado.
Percebi, quando recomeçou a chover fortemente, o motivo pelo qual ela permanecia sobre o muro, inexpressiva. É que do cimo das coisas, podemos ver mais longe e na lonjura, ela estava certa que o sol acabaria por chegar.
Soube o lugar de ti enquanto retomava o caminho de regresso a casa. De pés despidos sobre a berma desta estrada fria, reconheço-me no cimo do muro, a olhar a distância e a saber por certo que, um dia, também tu acabarás por chegar.

1 comentário:

  1. este, à semelhança do anterior, merecem uma continuação.

    Bela a analogia. *

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