Caminho dentro da minha solidão. Atravesso
a praia antiga ignorando todos os gestos dos outros. Reconheço as suas vozes e
assumo a surdez plena de quem já não está. Interpreto os gestos nas suas histórias
de serem quem são, naquele preciso momento, e remeto tudo para um lugar fechado
em que nada, para além de mim, pode acontecer. Caminho a minha solidão inteira
no bater das ondas de inverno. Gaivotas caminham a meu lado como se soubessem o
segredo que se me desfaz na pele. O silêncio que vem do mar abraça-me de
deixa-me cair na areia. Só até que o momento cesse e eu desapareça por completo
sou o segredo do que resta do caminho que atravesso. A chave para ignorar o que
a vida transporta dentro destes corpos que partilham este espaço com a minha existência.
Queria poder, por um momento, esquecer a minha humanidade e ser-me a espuma que
a onda entrega à areia fria. E esse seria o auge da minha caminhada.
31/01/2016
29/01/2016
é quase certo que este é o meu lugar errado. quase certo que já há muito que devia ter começado a correr. o caminho está a chegar ao fim e não há mais terra depois deste abismo aberto por ti. escavei até ao final do que pude ser e agora já nada pode permanecer imutável. agora é o tempo de tudo isto terminar de vez. e eu começar a correr.
28/01/2016
princípio do mundo
Quero silenciar as vozes que
desesperam dentro da minha memória do tempo. Navegar à deriva num barco sem
vela abandonado sobre as vagas na tempestade das ausências. Afogar-me na lâmina
do frio da solidão que começa com o princípio da noite. Devastar-me no peso
inteiro das coisas por saber. Segurar na ponta da tua pele e reconhecer-me
absolutamente despido sobre a solidão da minha própria ausência.
Queria poder encontrar-me nas
vozes que sussurram todos os nomes de todas as coisas dentro de mim. Segurar-me
no abraço das letras caídas sobre muros ruídos nas chuvas que avassalam a minha
estrutura. Desesperar-me na imensidão do vazio que se abre sobre o fim das
coisas que começaram aqui. Voltar-me para dentro até me ver reflectido no
espelho da água parada de uma qualquer maré fria da madrugada. Vestir-me de
capim e sussurrar-me na pele a minha própria distância. Quero ser o que resta
de mim até desparecer.
Quero silenciar-me dentro de mim
e abandonar-me na maré. Só até reencontrar o princípio do mundo.
24/01/2016
Desta vez talvez vá começar pelo
fim. Pego no término das coisas que foram e começo do princípio. Apago o quadro
de ardósia e mergulho as mãos no giz. Balanço-me sobre as arestas das certezas
incertas e deixo-me cair no chão.
Não importa se faz frio agora. Abro
os olhos e sei o caminho. Recomeço do princípio. Desta vez não vou ter medo. Basta
começar por um qualquer lado, basta acertar o passo. Não vou pedir-te para
esperares por mim nem que teu passo chegue ao mesmo tempo que o meu.
Desta vez vou começar por onde
devo começar. Pelo fim das coisas que podiam ter sido. Pego nelas, com a
liberdade que fica nas coisas que se amam até ao fim dos dias, e farei de tudo
para que não quedem, para que não cessem de existir em mim.
Desta vez talvez vá começar por
mim. Talvez não olhe para trás para ouvir as mesmas melodias. Vou deixar o
lugar em que me deixaste de todas as vezes em que não estavas e vou ser eu sem
ser mais ninguém em mim. Desta vez vou começar em mim para chegar ao lugar em
que tudo acontece.
Não importa se a maré está baixa
e não importa se morro amanhã. Escondo-me por detrás da névoa que a madrugada
encerra sobre si até que o dia desperte dentro do que podemos ser.
Deixa-me regressar a mim. Desta vez
recomeço aqui. Nada ficará ao acaso. Nenhuma letra de nenhuma palavra cairá por
terra. Desta vez eu não cairei por terra.
Sobrevivi às tempestades de areia
que me assolam o deserto que existe em mim. Sobrevivi à ausência do que resta
de mim e reencontrei-me nos lugares dos passos que só a dança pode devolver à
minha existência. Hoje danço sobre mim e é aqui que começo.
Desta vez talvez vá começar do princípio
das coisas que nunca terminaram em mim.
20/01/2016
diVino
Ficas a planar sobre minha pele
de cada vez que partes. Teu corpo fica apenso à memória de mim em ti e
deleito-me no sabor que emerge da tua sede. Perdoa se não sei mais que isto. Perdoa
se não preciso mais do que isto. És a melhor parte do que acontece em mim e
abençoa-me Ele que te deixa depositar tuas asas sobre o meu respirar.
10/01/2016
fracÇão
Falta apenas um segundo. Depois tudo cessa.
Falta apenas menos do que um segundo e tudo termina aqui.
O teu corpo dentro do meu corpo não vai ser nada mais do que
a memória vivida de um passado esquecido.
Não consigo ver para além deste escuro desta noite que
sempre foi a cor que tiveste aqui.
Falta apenas o tempo de te dizer. Adeus.
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