26/10/2020

gritas

(sem que percebas)

e é só lodo que te sai na voz.

gritas

(sem que sintas)

e é só fel que te lambe os lábios gretados.

morres

(sem que saibas)

no lodo que apodrece no grito que te dilacera inteiro por dentro.

seguras tua mão na minha como se temesses ficar sem chão. minha pele diz-te que não há futuro possível aqui. tua voz diz-me que teu corpo mente perfeitamente na ilusão da noite que arrefece quando o outono se deita sobre o espaço que sobra entre o que falta dentro da (im)possibilidade.

05/10/2020

Em breves momentos, a praia fica deserta. De tempo. De pessoas. De restos. 

Permanecem, aqui e ali, apenas os poucos corpos que resistem ao ar que arrefece a pele. Rapidamente se transformam em vultos que se deslocam no aro dourado que acaricia a areia enquanto o sol, lento e lascivo, se recolhe por entre a rocha negra. 

No mar, afogam-se orações e memórias.

Deixas que tuas mãos mergulhem no toque salgado das palavras de abandono entoadas no segredo do silêncio do crepúsculo. 

Gaivotas chegam em voo raso, lento, sereno, para descansar do calor tórrido que fervilha nos horrores que residem nas entranhas da cidade. Deitam-se sobre o lugar em que o calor se demora a abandonar a areia fina, mesmo junto ao silêncio que preenche o vazio que salga o interior de tuas mãos. 

Não há medo nem temor aqui. 

O deserto que cabe dentro de ti, é tão fundo quanto o mar. Tão lento quanto o bailado do sol na areia.Tão serenamente dilacerante quanto o voo triste das gaivotas cansadas. 

Em breves momentos, a praia fica deserta. Já não há medo aqui.

escavo

por mim adentro

e

é apenas um silêncio

estéril

o que se pode encontrar.


silêncio feito terra 

árida

desfeita

na severidade do deserto.


nada mais

a encontrar.

 cala-te.

já não suporto o odor da tua voz a desenlaçar-me o sangue.