19/10/2022

Deslizo

pela viagem de tua voz

até perder o norte.


Desfaço-me

na memória da tua pele

antes de atravessar o sul do deserto que acaba

precisamente

antes do lugar de mim.

18/10/2022

EsQuIÇo

Teço-me em finos fios de fogo
desenho-te em eternos fios de ferro
junto todos os fios em traços de areia pintada
na ponta do carvão 
e deixo tudo
tudo
na beira da janela
à espera 
que chegue a chuva.

14/10/2022

Não digas uma única palavra.

Temos de parar agora.

É tempo de cravar a areia dentro dos olhos. Escavar o asfalto dentro da pele. Esculpir o gelo dentro da alma. Esvaziar os lugares de todas as palavras.

Temos de parar agora.

Não digas uma única palavra.

13/10/2022

cheiro o peso da manhã em todos os cantos da tua solidão 

04/10/2022


Não questiono nada. Coloco em minhas mãos, o lugar vazio das tuas. 
Reconheço que são
tua voz e tua pele
o princípio e o fim de todas as coisas.

Minha língua entoa uma oração incompreensível que apenas eu conheço. Que não revelo a ninguém.  Como se fosses o silêncio mais bem guardado de todos os segredos. 

Respiro fundo o ar que te sustenta e reencontro-me num lugar reservado à vida. Reservado ao tempo reservado à possibilidade da vontade de ser tempo reservado para ser tempo. Um lugar de vida viva por ser um tempo breve do qual desejo que voltes sempre a partir. 

Fecho os olhos para te ver inteiro enquanto te sustenho na ponta dos dedos, enquanto me revisto do aroma da tua pele, enquanto completo a areia nos lugares esvaziados da travessia.

Rezo. Ao teu D. Sem que lhe peça nada. Rezo apenas como quem canta o silêncio, como a brisa quente de Outubro que lambe as folhas do chão e as leva a dançar, serenamente, por entre as árvores que quedam dentro de nós.

Escuto, por entre preces, a areia, a pele e o vento, todas as coisas que me não podes dizer.
Guardo todas as sílabas, todas as palavras, e deixo que repousem sobre a pele da língua, sobre a saliva dos dedos, sobre a certeza da incerteza, para poder saber tudo o que me disseste. 
Escuto. 
E
em breve
deixo tudo partir. 
 


02/10/2022

O inferno 

é 

o lugar onde 

ficam

teus olhos 

de cada vez 

que 

fecho a porta. 

Há um negrume que se instala no azul do céu de uma tarde cansada. Anuncia a certeza de que a chuva regressa, em breve. As gaivotas choram o canto dos abandonados enquanto esvoaçam, erráticas, desamparadas, num rasto de um qualquer caminho...para terra, ou para o mar? Debatem- se com a incerteza segura de que a vida é uma escolha permanente e que, por fim, termina na causalidade escolhida. Em cinza. Ou em abismo. 

Penso em ti enquanto caminho o chão de areia. Talvez seja a água que choras de dentro da pele, aquilo que te tenha transformado os pés em barro.