31/08/2015


o teu silêncio
é
a certeza
que
não posso
avançar
mais nenhum
passo
descalço
deste caminho
de
vidro

Respira-me na pele e toca-me. Aperta a minha solidão contra a tua agonia e devasta-me na chuva.

O resto não importa. Deixa que a maré suba até engolir a praia inteira.

Arrasta-me na tua insensatez e evade-me num resquício onírico sem tempo para terminar.

Lambe-me na pele as cicatrizes da minha tristeza e podes depois rasgar a carne na tua boca. Prometo que não vai doer.

Dilacera-me.

Respira-me na tua alma e salva-me.

Devasta-me.

Vira-me de costas e sente-me a gritar no silêncio da noite vazia.

Aniquila-me.

Olha-me de frente e perde-me no tempo.

O resto não importa.

Deixa que o mundo inteiro termine enquanto nos desfazemos na chuva.

gIn


Está a terminar o tempo.

Estou aqui a ver a minha vida a terminar. Em redor de mim amontoam-se corpos deformados sob a minha imaginação. Sinto o ácido a correr-me nas veias, a descer-me na garganta, a aniquilar-me (n)as palavras. Pouco de mim resta agora que a vida está a terminar.

Olho para o espelho que me colocam em frente e repenso o passado. O que vivi, o que soube saber em mim, o que destrui, ao que faltei e que podia ter sido.

Remeto-me aos lugares mais distantes da pessoa que fui e acredito que não foi o suficiente. Não fiquei vivo tempo que chegasse para tudo o que me faltava.

Bebi a minha vida em noites devassas e devastadas. Sorvi o orvalho da manhã e a tristeza das noites. Dormi com a certeza de que outro corpo me guardava e também enfrentei o terror da solidão, vezes e vezes sem conta.

Deixei-te. A ti e aos outros para ser só eu e olha no que me tornei. Um corpo moribundo e imóvel sobre esta cama nefasta. A desfazer-me. A morrer-me.  A desaparecer-me.

Está a terminar o tempo. Tenho um gin tónico deitado sobre o copo que me abraça na solidão deste corpo. Sabes que quem sabe que o seu corpo vai morrer, assim tão em breve, consegue conhecer os limites mais improváveis da mais terrível das solidões passíveis de existirem dentro de nós.

Recordo o teu abraço e abraço-me em mim.

Estou a terminar.  Agora não tenho medo mas não tenho mais ninguém aqui.

Terminou o tempo.
 
Vou terminar hoje o que tínhamos começado.
Vou  deixar este lugar e cessar tudo. De uma só vez.
Não precisas tentar dissuadir-me. Não há mais nada porque continuar.
Não adianta segurares-me na insensatez do teu desespero. Não vou olhar(-te) para trás.
Vou terminar o que começámos hoje. De uma só vez.

19/08/2015

incênDio


Há lágrimas feitas de sangue no resto das cinzas do que a terra tem a arder em si mesma e que o vento faz parecer navegar sem rumo. Se fechares os olhos e vires, sentes o outono a chegar na luz do fim do dia. Sabes o frio que vem depois do fogo e a angústia da perda que permanece depois de tudo o que falta arder finalmente desaparecer no vento da terra acinzentada.

sanGria


Ensaio a continuidade dos gestos no contraponto da exaustão.

Devasto a fraqueza na ilusão de que é possível chegar um pouco – nem que seja apenas um pouco – mais longe do que o aqui.

Confronto a imagem no espelho e recuso a sua agonia. Recuso a sua palidez. Recuso a sua essência.

Coloco as mãos sobre o movimento do corpo e sigo. Como se não houvesse mais nada que fosse possível esperar da vida senão a contínua tentativa da continuidade da exaustão de todos os gestos que dançam em mim.

cannis


Abandonado numa casa vazia. Encontras restos do que era antes por cada canto perdido na sujidade do tempo. Procuras que o silêncio resvale enquanto choras mas, na verdade, continua lá toda a imensidão que vem com as coisas que estão vazas de vida.

Anseias o momento em que te abrem a porta e te aliviam a infinitude da tristeza. Tocas, ao de leve, as mãos que te chamam e logo te remetes à certeza de que não há outro lugar onde possas ter lugar. Abandonas-te no abandono que caiu sobre tua pele e quase que esqueces o motivo que te mantém vivo.

Olhas com o olhar de quem teme o que pode vir das mãos que te não seguram e recuas. Recuas na imensidão da insalubridade que te rodeia. E remetes-te à espera. À espera daqueles que te abandonaram porque sabes que, um dia, regressam para ti.

14/08/2015


Queria escrever-te no desenho da luz que cai do sol no fim da tarde. Queria desenhar-te nas letras das minhas palavras de cada vez que a tarde mergulhasse na luz.

Mas tu
nunca ficas
o

tempo
suficiente
para te poder
colocar
 num qualquer

papel.

13/08/2015

susPensão


Estou suspenso no resquício do silêncio que fica quando não chegas a partir. Procuro nas páginas dos livros bafientos as memórias das coisas que me disseste de cada vez que tentavas partir. Morreste. Morreste há tempo de mais e eu ainda te encontro em cada fracção do pó que coloco sobre os meus livros cansados de existirem em função da tua partida. Não faz sentido estares sem estares aqui. Talvez tenha sido eu quem primeiro partiu mas a verdade é que te aguardo na espera dos tristes que não sabem mais do que permanecer. Suspenso. No. Silêncio. Que. Resta. De. Cada. Vez. Que. Deixas. De. Estar. Aqui.  
Pego nas tuas palavras e vou ao âmago do erro.
Giro em torno de cada pedra que se impõe no teu caminho até que o sentido regresse.
Exalo os odores que são no apodrecer do tempo e resvalo na direcção que vai de encontro ao outro lugar.
Fecho os olhos no terror da noite e aguardo que o erro me desfaça nas pedras das palavras.

01/08/2015

Não se precisa dizer absolutamente nada. O silêncio que se faz dentro das palavras por dizer é um lugar de conforto quando lá fora só se ouvem os restos bélicos de diálogos vetados à existência de qualquer verdade. Não é preciso que digas seja o que for. Na verdade, nem sequer te quero ouvir. Escusas de começar a entoar seja que melodia for. Nem precisas dizer meu nome. Soa mal na tua voz. Perde a sua verdade.
Se ficares aqui vais desaparecer na sombra do tempo e vais chegar apenas ao que resta quando tudo em nós nos abandona. E isso é a única verdade possível de existir hoje, aqui.