Está a terminar o tempo.
Estou aqui a ver a minha vida a
terminar. Em redor de mim amontoam-se corpos deformados sob a minha imaginação.
Sinto o ácido a correr-me nas veias, a descer-me na garganta, a aniquilar-me (n)as
palavras. Pouco de mim resta agora que a vida está a terminar.
Olho para o espelho que me colocam
em frente e repenso o passado. O que vivi, o que soube saber em mim, o que
destrui, ao que faltei e que podia ter sido.
Remeto-me aos lugares mais
distantes da pessoa que fui e acredito que não foi o suficiente. Não fiquei
vivo tempo que chegasse para tudo o que me faltava.
Bebi a minha vida em noites
devassas e devastadas. Sorvi o orvalho da manhã e a tristeza das noites. Dormi com
a certeza de que outro corpo me guardava e também enfrentei o terror da solidão,
vezes e vezes sem conta.
Deixei-te. A ti e aos outros para
ser só eu e olha no que me tornei. Um corpo moribundo e imóvel sobre esta cama
nefasta. A desfazer-me. A morrer-me. A desaparecer-me.
Está a terminar o tempo. Tenho um
gin tónico deitado sobre o copo que me abraça na solidão deste corpo. Sabes que quem
sabe que o seu corpo vai morrer, assim tão em breve, consegue conhecer os limites mais improváveis
da mais terrível das solidões passíveis de existirem dentro de nós.
Recordo o teu abraço e abraço-me em
mim.
Estou a terminar. Agora não tenho medo mas não tenho mais
ninguém aqui.
Terminou o tempo.