15/11/2023

Queria ter-te aqui para ser pérfido e devasso. 

Para te corromper e logo te abandonar.

Para te chamar e não te tocar. 

Para te cheirar e deixar cair.

Para te arrancar as palavras do papel e o sangue das mãos. 

Para te atirar às areias negras do poço velho.

Para não mais pensar em ti.

Queria ter-me amarrado na armurada à espera que me agrida a raiva contida das ondas ferozes do inverno. Elas cavam abismos dentro da minha mente, dia após dia. Só me resta aguardar que levem o resto de mim.

Não te quero aqui. Não mais. 

Tenho absolutamente mais nada para dizer. 

14/11/2023

ImPaSse

Teu segredo está esculpido nas encostas de basalto. 

É negro por dentro. 

Cor do fogo por fora. 

Cor de ti nos contornos. 

Cor de vazio no peso. 

Pedra negra a desenhar as linhas impossíveis das coisas inevitaveis. 

És sarça que arde no lugar mais fundo das almas. 

Consome-te o fogo, dilacera-te a ânsia, devasta-te a solidão das insónias. 

Sentes aquele medo que se rasga nas mãos quando se deixou de ter medo. 

Aflige-te a certeza da finitude e o teres chegado com tuas mãos feitas de água ao limite da linha do mar. 

Não sabes que caminho tomar. Não queres escolher. 

Talvez , afinal, tenhas medo de ter medo e seja o medo que te impele à indecisão. 

És feito de água. E a verdade é que escorres sempre em direcção ao mar. 

És ribeiro, riacho, rio, oceano, és gota de orvalho, gota de chuva. És tempestade inteira. 

Terás de embater de frente às rochas. Espalhar na pele o negrume do orvalho e no grito a intensidade do fogo. 

Talvez tenhas de consumir o que te destrói para poderes renascer das cinzas

10/11/2023

Quero sentir na boca o frio 

e as tuas garras a arrancar o sangue quente de dentro do meu ventre

Vou agarrar a noite com os dentes para me libertar das mãos e dos pântanos que me consomem

Vou respirar o lodo com a pele dilacerada e abraçar os cardos que cavalgam o que resta dos meus sonhos 

Vou escancarar a fornalha e gritar as labaredas dentro do peito

Vou deixar que os cavalos corram desenfreados na minha liberdade condicionada a estas escaras que eu cavei com os dedos ásperos da esperança 

Quero deitar-me nos contornos de qualquer pele inscrita no carvão enquanto umas quaisquer mãos ditem o caminho da minha (re)condenação 

Quero compreender o silêncio que o fogo tem nas crinas do meu sangue

Espera...

Não...

Quero compreender nada.