19/09/2018

juNho

dispo-me da angústia enquanto sangro por dentro dos teus dedos.
cais como chuva sobre minha pele. 
guardo teu odor dentro da minha alma e por dentro de minhas mãos até o dia terminar de existir por entre a memória-cada vez mais vaga - que sei ser a imagem de ti.
dispo-me de todas as imagens enquanto escorrem meus dedos na chuva do teu sangue. 

17/09/2018


rasga-me na chuva até não soçobrar nada que seja audível

fOliE

toco-te na ponta da língua.
levo os dedos até ao fim do teu delírio e quedo.
há um vazio incomensurável dentro deste teu innuendo
um abismo que te separa do lugar onde eu consigo ser o que posso ser.

toco-te na ponta dos dedos
lambo-te a pele até te desfazeres em pó, até te aniquilares em cinzas, até te encontrares inteira. de verdade.
c'est solement la folie.

c'est toi qui va dancer sur la nuit et sous cet oubliance
c'est moi qui est en train de disparaitre a cause de mon angoise.


je vais rester sur le chemin que je connais. je te vais laisser partir, a ton vide, sur mon abime, jusqu' a la folie que reste en moi. 
a verdade é
que vai sobrar muito pouco de mim
quando tu chegares ao fim

16/09/2018

esTrAda

Começo a caminhar sem ter nenhuma intenção de parar. A pele de meus pés geme sobre o asfalto enquanto o verão devora a estrada. Finjo não ouvir. Escolho não sentir.
Começo a correr a tentar desafiar o vento. Falho. Necessariamente que fracasso. Reduzo o passo. Retomo o caminho na lentidão da dor que ignoro. Carrego no peito a certeza de que não chegarei a lugar algum. Carrego-me na certeza irredutível que não tenho mais lugar aqui. Consola-me saber que posso não chegar. Que me permito não chegar.  Que escolho continuar a andar sem ter onde chegar. 
Espero que as chagas me ocupem o corpo inteiro. Que o sangue jorre até findar. Que minha pele se desfaça na estrada, até não sobrar nada de mim.
Continuo a caminhar até que a estrada tenha, sem si mesma, um fim. 

UltIma

Ouço o canto negro das gaivotas. Cheira a morte. À impossibilidade do retorno. Como se a morte fosse o lugar final. O último reduto. Igual para todos, sem excepção.
Meu corpo não se move. Desde há horas que não me consigo mover. Sei que ainda respiro. Que ainda respiro por dentro. Mas nada em mim se move. 
Tenho os olhos fechados e as mãos abertas. Espero que tudo aconteça. Espero que tudo ocorra fora de mim. Para eu não saber. Para não sentir. 
Ouço o canto negro por dentro de mim. Num bater de asas. A abraçar-me na voz. A tocar-me na alma. A invadir-me na pele. A agrilhoar-me no respirar. 
Tudo acontece, afinal, em mim. Por uma última vez. Agora que não me consigo mover é que tudo acontece em mim. Como se não houvesse outra forma. Como se deus não tivesse outra forma de me dizer que já não respiro por dentro e que tudo me chegou, num só canto, às minhas mãos abertas. Pela última vez.