10/09/2014

silk

seguram-me finos fios de seda.
a chuva está prestes a chegar e eu ainda não comecei a andar. em breve terei de começar a mover-me. em breve terei de desaparecer.
rasga-se-me a pele à medida que equaciono o movimento. o sangue queda, frio, sobre a terra bafienta. está quase tudo seco aqui. está quase tudo morto aqui.
se, ao menos, escutasse a tua voz, poderia quebrar os fios que ainda me seguram e começar a correr.
mas só há silêncio, hoje e sempre, aqui, por dentro deste lugar.

09/07/2014

13.

escuta.
espera um pouco.
espera por mim.
passou demasiado tempo. a vida passou demasiado depressa. a vida não parou e esqueci de aprender a esperar. espera por mim.
escuta. passou mais um ano. mais um sobre todos os outros que tive de passar sem estares aqui.
hoje, cada vez mais, o tempo parece que não devia ter passado. tudo seria tão diferente se tivesses ficado. se tivesses podido escolher ter ficado. eu teria escolhido teres ficado, aqui, perto, e tudo teria sido tão diferente.
e hoje não seria tão dificil. e ontem não teria sido tão sangrento. e hoje eu poderia dormir na certeza de que amanhã respiravas para eu poder viver.
resta-me segurar-te na fraqueza de mim e não te deixar partir, mais um ano.
escuta. espera por mim.
espera por mim.

01/04/2014


Cheira a cinzas e a vazio.
Faz frio aqui.
As vozes, roucas, entoam melodias há muito esquecidas.
Nesta casa não existe amanhã. Existe apenas o que sobra da noite quando o dia decide partir. Sobra apenas a madeira antiga a rasgar a pele dos pés despidos.
Se ouvires com atenção, reconheces que o silêncio já não está aqui. Que há um ruído interminável a sobrevoar toda a capacidade de respirar e deixas de querer respirar. Às vezes deixas de querer respirar e passas a querer ser a chuva que corre do lado de fora dos vidros, das paredes, da madeira, e transforma a terra no lodo onde te podias deixar tombar.
Se escutares com atenção o que o vento dentro da tua memória dita, verás que as coisas que não podem ser alteradas, são como esculturas esculpidas no gelo que existe dentro de cada um de nós. Gelo que nenhum sol pode derreter.

Por isso faz tanto frio aqui. Por isso não podes, nunca, chegar a ser chuva.

Por vezes não me encontro no lugar que ocupo. Não me reconheço na imagem projectada. Não revejo os gestos dentro do corpo como se o mesmo fosse meu. Conto o tempo e não sei onde estive. Reconto os passos e não sei de onde vim. Atravesso as memórias difusas, em névoa, dentro das imagens que guardei e não tenho a certeza de serem reais. Perco-me demasiadas vezes no caminho para ter sabido ter estado ali. Preciso do que reconheço não poder nunca chegar a ter e iludo-me na sensação de que não sou eu quem procura. Quero olhar para mim e juro que não me encontro aqui. Eu não sou eu nem o outro, sou qualquer coisa de intermédio, dizia o poeta morto dentro de si mesmo. Eu não sou eu sem ti. E essa é a única verdade do universo que eu reconheço. E tu és o único lugar em que eu existo.

12/03/2014


Tenho sal a correr-me na língua ferida.
As palavras escorrem por dentro de mim como ferrugem a queimar-me o sangue.
Sou o que resta da minha incapacidade de ser mais e envelheço na certeza de que o mar já não chega aqui.

Estou a olhar para ti e não te encontro. Estou a olhar para mim como que a querer ver-te a ti mas parece-me que nenhum de nós chegou a tempo. Olho para o que sobra da tua sombra em minha pele e esqueço-me onde estou. Inalo-te inteiro dentro do meu sangue e esqueço-me de ser. De respirar. Esqueço-me de respirar enquanto espero que chegues. És inteiro dentro de mim porque eu sempre fui tão pouco. E tu sempre foste o que havia de melhor no lugar que me sobrava. Espero-te há tanto tempo que já não sei quanto tempo passou. Na verdade, a vida não parou. Na verdade, a vida não parou em mim e eu fui morrendo. Na verdade, esqueci-me de respirar todos estes anos e agora envelheci inteira por dentro da alma. Sempre que me encontro no meio de mim és tu que me ocupas. Sempre que me vejo a olhar para mim são os teus olhos que vejo e cego por não saber como te ver e como te fazer ver-me. Esqueço-me que o lugar que reservamos ao amor morre se não nos lembrarmos de respirar. Se não soubermos dizer as palavras que ocupam os lugares do sentimento sentido. Se não soubermos lutar com o guerreiro silencioso que morre em cada um nós. Esqueci-me de te dizer todas as coisas porque nunca aprendi como dizer e o que eu não digo é sempre tão maior do que o que sei dizer. Mas na verdade, não se sabe ouvir o que está por dentro do silêncio quando não nos encontramos no tempo certo. Esqueço-me de respirar cada vez que te perco e morro em mim. Vivo eternamente de cada vez que te encontro e volto aqui. A este lugar em que não te digo tudo o que te digo e em que continuo a morrer na espera de te rever.

20/01/2014


perdoa-me. não me encontro na imagem e ti e tu não me vês.
perdoa-me. perdi-te irremediavelmente.
perdoa-me. devia ter sabido segurar-te. era a minha fortuna e não fui capaz. perdoa-me. não fui capaz.
deus sabe que tentei, como tentei, o que perdi, o que achei que tinha encontrado, o pó e as sombras, os labirintos e as espirais, os abismos e a queda eterna. perdoa-me.
não era suposto ter caido.
perdoa a minha incapacidade e o meu cansaço.
perdoa os meus olhos cegos, a minha fala selada, o meu abismo aberto sobre ti.
perdoa-me se morri cedo demais. se falhei cedo de mais. se te perdi cedo demais. mas deus estava a ver. sabe que tentei. mais ninguem me mostrou o caminho.
perdoa-me se não soube escolher o caminho certo.
eu tentei. falhei. tentei. morreste. falhei. morri.
perdoa-me.
mastigo o vidro enrolado no sangue da lingua.
lambo a aspereza da pedra enquanto a boca se dilacera.
morro de tristeza enquanto o vidro me desfaz.
a lingua enrolada na tisteza do gelo a partir. da pele a rasgar. do sal a queimar. do mar a morrer.
a morrer enquanto ondas de sangue me dilaceram por dentro e a minha boca desaparece no silêncio da chuva que parou dentro do meu corpo.
e morro.
na tristeza de estar agora aqui.