11/01/2023

Por vezes,

só por vezes,

sinto-te na falta

como se fosse devastadora

a tempestade

que acontece em mim.


Preciso

regressar a ti,

apenas por um breve momento,

pelo tempo que me possas dar,

apenas o suficiente 

para eu 

voltar a respirar 

em mim.


Preciso

reter(-te) nas mãos,

só por um breve momento,

a água que me traz de volta.

04/01/2023

Limpa-me nas lágrimas.

Beija-me nos olhos.

Segura-me nas mãos.

Acende-me nas labaredas.

Apaga-me no anoitecer.

Suspende-me no tempo.

Mata-me ao amanhecer.

Recorda meu nome.

Cala-me na boca.

Repete-me no arrepender.

Desvasta-me no corpo.

Fere-me na língua.

Serena-me nas marés. 

Enrola-me na areia.

Suspende-me no tempo.

Grita-me no devir.

Diz-me que me queres.

Compreende-me na dor.

Deixa-me a queimar.

Arrepia-me no ouvir-te.

Canta-me no poema.

Faz-me partir.

Ajuda-me a chegar.

Mostra-me no caminho.

Atira-me ao mar.

Alimenta-me de ti.

Rasga-me a roupa.

Mata-me na sede.

Prolonga-me no momento.

Silencia meu grito.

Puxa-me para mais perto.

Suspende-me no tempo.

Deixa-me cair.

Volta para trás. 

Olha para mim.

Cala a minha dor.

Limpa-me nas tuas lágrimas.

Vou começar a queda com a dor suspensa nos asas dos lábios que seguram o grito em vácuo. 

Todos os passos chegam para chegar ao mesmo destino. Cair. 

O corpo sucumbe o zunido persistente que habita o interior da minha resistência. 

Minha voz não tem som. Se tentasse falar, soariam notas de um piano que se desafina no preciso momento em que embate de encontro às rochas do tempo já sido. 

Percorrem-me palavras arrepiadas pela pele do corpo. Sinto-me prestes a sangrar,  por dentro. A chorar, por fora. A cair, simplesmente a cair

02/01/2023

LadO B

o que queres de mim 

é o que habita o lado errado de quem eu sou.

a perversão. a sujidade. o odor a fel, a sexo, a cinza e a lodo. 

o que amas de mim

é o que reside no lado errado do que precisas. 

a mão que fere. o olhar que nega. a pele que arrepia. o dominar do tempo. o espaço ocupado com todos os balaustres da tua forma. as paredes pintadas de negro. as feras à solta nos dedos. os gritos obscenos velados no silêncio da indiferença. a ternura que mente. 

queres que seja o que desejas que eu não chegue a ser. 

só sendo o que não deveria ser poderei ser o que queres que seja.  

o fosso. o abismo que te invoca à queda livre até

que embates na realidade do que não te posso ser e me deixas

despido

devassado

desmembrado

no golpe fatal que repousa, 

sereno, omisso, desalmado, silencioso, 

na profundidade atroz das tuas mãos.