24/02/2011

No.TH.ere


Fecha os olhos. A noite deve estar quase, quase, a terminar. Apesar das janelas abertas podes fingir que não sentes o inverno a entrar. Podes fingir que eu já não me importo de te ver a tremer. Se puderes, deixa as mãos abertas para te ver a agarrar o nada que te sobrevoa o corpo como se te tivesses afogado na tua própria saliva. Talvez não devas falar tanto. Ou respirar. Talvez devas remeter todas as palavras que não chegaste a dizer para o mesmo lugarzinho do teu corpo. Podes cortar a pele se quiseres. Não me faz qualquer diferença. Podes cuspir o sangue inteiro que te leva a escrever coisas que eu não sei o que querem dizer que eu não me importo. Que eu não quero saber. Podes até segurar o ar com a tua serenidade que eu vou continuar a gritar. Fecha os olhos, merda. Tenho-te a olhar-me de frente quando sabes que já te não queria estar a ver. Desaparece. Vê se me importo que desapareças. Eu fecho os olhos porque a noite, em breve, vai acabar e eu posso finalmente saber onde estou. Aqui não vejo grande coisa…aqui não sei bem onde tenho os dedos, a pele, os olhos. Podes fingir que não vem frio daqui. Podes fingir. Não me importo mais. Agora não falas? Não tem mais saliva para me afogar? Estás aí?

Talvez seja verdade que já tenhas ido embora e eu ainda esteja aqui deitado, a fingir que não me importo que tenhas já partido com a chuva.

importance

Hoje és como o espaço que sobra nas coisas vazias.
O que resta do que resta quando já resta pouco.
O que sobra do que sobra quando nada sobra das sobras.
O que chega quando o resto se vai.
O que vai quando já coisa nenhuma chega.
A importância de se ser o lugar que se não é, é como uma revelação divina, é como uma linha preta numa folha branca, como uma palavra começada numa frase vazia, como um azulejo numa parede ferida pelo tempo, como um lápis de carvão a furar as linhas, como uma nuvem lisa a desafiar o inverno.
A questão que se encontra em se ser o que se não é e em querer ser o resto do que não sobra, é maior que o vazio que se encontra quando se arrisca abrir os olhos sobre o abismo da vida. E tudo isto, hoje, podia ter-te tido a maior importância.