28/11/2009

Hoje a noite está fria meu amor.
Está tão fria que te não sinto nas mãos. Que te não vejo na pele. Que te não tenho no dormir.
Hoje o meu corpo não está só porque está em ti. Dentro de quem tu és. Amor de mim.
Ambos sabemos que o inverno já não vai chegar ao fim. Choverá todos os dias que faltam da nossa vida. Choverá todas as noites. Indefinidamente. Como se nunca mais fosse possível não haver chuva. Sem até quando possível.
Haverá dilúvios e tempestades. Ventos e saudades.
Quando me tocares, meu amor, não sentirás nada mais do que o que tu és. Não saberás nada além do que já conhecias de olhos fechados e saberás reconhecer que isso será tudo o que basta para compreenderes o que resto que está por chegar.
Quando olhares para mim, meu amor, de olhos fechados na noite fria, verás um rio inteiro mergulhado no vazio. Encontrar-me-às, naufrago, a tentar chegar até ti, a tentar tocar-te na pele com a verdade. E poderás reconhecer-te, meu amor, como o lugar em que eu posso, finalmente, terminar.
Se tivesse que te descrever, desenharia



apenas uma


linha numa
folha
branca.


Mais nada.

26/11/2009

Sabes o que se sente imediatamente antes disto?

Compreendes o cheiro da terra no momento precisamente anterior à queda da chuva?

Reconheces a tua ausência de saber quando não conheces o lugar das ondas de olhos fechados?

A única coisa que podias desejar agora era ter os pés mergulhados na areia fria enquanto rezavas.

25/11/2009

"com que voz" - nicholas oulman documentário CCB hoje

senti-me num lobby judaico/socialista.
fui convidada por uma amiga a ir - (repito, CONVIDADA que presupõe que numa coisa onde só se vai por convite apela à presença das vedetas, dos VIPs, da fina flor da sociedade portuguesa, politica, artistica e da comunidade judaica lisboeta) - à apresentação do documentário "com que voz" de Nicholas Oulman essencialmente sobre seu pai, Alain Oulman.
um homem, sem dúvida rigorosamente nenhuma, absolutamente interessante e que parece ter tido uma vida cheia de coisas boas e felizes. partilhou espaço, ar,toques com grandes nomes da literatura mundial. um homem de familia judaica, a residir em portugal, de ascendência francesa em luta permanente entre as suas obrigações familiares e as suas necessidades/inspirações/vocações artisticas.
o documentário está muito focado na relação deste homem com a música, particularmente com a sua visão do fado. e felizmente que ele se interessou pelo fado e contribuiu tanto para a sua melhoria. trabalhou anos a fio com amália. foi buscar poemas de camões, de o'neill, de tanta gente boa com tanta palavra boa. este homem invulgar foi um lugar essencial ao fado, à música, à cultura.
um documentário longo (2h meus senhores??!!) mas cheio de coisas boas, frescas, pesasadas (salazar, pide,sabiam que o fado "Abandono" chama-se Fado de Peniche porque faz alusão aos presos politicos na prisão de peniche de onde a fuga de álvaro cunhal ficou famosa??!! ah, pois é!! e belas (amos oz, telavive, paris, abril).
fiquem com a segunda das melhores coisas que ouvi hoje
a primeira seria o "com que voz" cantado pela amália (não porque ela me seja especial mas porque o poema e a música são especiais).
ps: não, não vou explorar a parte do socialismo dentro do lobby.

23/11/2009

shit

para ler ao som de :
http://www.youtube.com/watch?v=lUJDAzOfhCU

Não sei que lugar é este onde, por vezes, dou por mim encostado.
Sinto frio nos dedos e percebo a minha nudez inteira. O corpo todo despido. E o mundo inteiro a olhar-me.
Não sei que lugar é este onde me encontro parado, tantas e tantas vezes.
Tropeço no ar e cedo à gravidade como se não houvesse inevitabilidade na queda. Como se não pudesse ser de qualquer outra forma que não esta mesma.
Talvez nada, hoje, como tantas outras vezes, faça realmente sentido. Talvez nada seja suposto ter sentido porque o sentido que as coisas têm não é mais do que aquele que lhes atribuímos – ainda que sem o sabermos.
Sei que me encontro nu defronte do mundo e tudo está imensamente frio.
ainda que tente andar
ainda que intente dançar
ainda que possa evitar a água que corre sem destino pelas estradas
não poderei afastar-me da tempestade de areia que me cobre os olhos e o pensamento.
Não vejo absolutamente nada enquanto o mundo inteiro me questiona.
E mantenho-me encostado, neste lugar para o qual a gravidade me atira sem piedade nenhuma para me lembrar que cheguei aqui de qualquer forma e dessa forma qualquer voltarei a sair daqui.
Espero que a tempestade cesse.
Espero o tempo que tiver que esperar.

ainda que nada disto faça sentido.

blank spot

quero escrever até a pele me sair dos dedos.

e nem uma palavra hoje.


nem uma palavra...

19/11/2009

Encruzilhada


A ventura do desenlace necessária e incontornável.

[...]

O momento de vazio onde se percebe o cheio de outrora porvir.

[...]

O enxerto depois dos chinchos abertos.

[...]

O sonho na palma do olhar.

[...]

O terror lúcido e translúcido que desabrocha do horizonte medrante.

[...]

Violência pacífica no subterrâneo do sendo.

[...]

Íris axial – mirar voluntário.

17/11/2009

Expressão...

Não foi este, nem o outro
Não foi o novo, nem o velho
Não foi
Nem

Havia gente e outra gente
Havia migalhas e pão
Havia dores e suor a pingar
Havia chão

Não foi
Nem
Teve hora e tempo
Teve vacas na seara no cio com um boi

Mas o véu do templo foi mais forte, foi aquela vidraça embaciada, foi aquela vizinha de Alcobaça que se esqueceu da geografia: será tudo, sendo esta névoa que por aqui passa, esta maravilha estreita que se faz gente e que espreita a ver se há pão ou se há meses de fome com ramalhete.

Da realidade

Há qualquer coisa na realidade que acusa, que adverte, que do funda da existência eleva-se acima de si e abaixo de si, envolvendo-se num manto terrível de dúvida e de olhar fundo, reversível ou intransigente, revelando escondendo um porvir disperso, estendido de lés-a-lés no horizonte, no lusco-fusco que mostra e esconde a sua claridade, deixando-se suspensa na antecipação – sabida e ignorada –, numa espécie de crueldade querida, amada, saboreada e regozijada no vómito de nenhures para este aqui, presente, indolente, premente de ser um porvir inacabado, sempre à janela daquele navio que está no cais e não se sabe no alto mar.



momentum

Estou a descer a rua no preciso momento em que te sinto.
Guardo o sabor da tua pele nos meus dedos.
Fecho os olhos, sinto o sangue a dançar no corpo
e consigo tocar-te.

viagem

Talvez o fim da viagem seja onde se pode tocar o horizonte.



E talvez eu nunca tenha chegado a partir.

"It's a wonderfull world"

Hoje ensinaram-me uma coisa:

que não nos devemos queixar do que acontece na nossa vida porque há sempre alguém que consegue estar ainda pior.

O que não deixa de ser verdade.
Por vezes as pessoas sobrevalorizam problemas, dores, sentimentos, rancores. E muitas vezes estão só a perder energia, a desgastar-se. A ficarem cada vez mais vazios e cada vez menos felizes.
A pessoa que me ensinou isto hoje utilizou uma comparação interessante e fez uma reflexão ainda mais interessante.
Ela explicou-me que, recentemente, havia assistido a uma reportagem na televisão sobre o Sudão e as condições de existência (ou será subsistência?) a que as pessoas estão sujeitas. Referia-me que uma senhora – de idade indecifrável – após ter visto assassinar o seu marido, o seu filho mais velho e a sua filha, lutava desesperadamente por salvar a sua criança pequena – perto de 2 ou 3 anos. Esta criança, no dia do massacre, foi mandada pela mãe correr, correr muito, e por isso sobreviveu. Hoje, esta mulher sem idade, vive numa tenda numa área de refugiados – descreveu-me como sendo uma tenda de 2 paus e um pano a cobrir - e, religiosamente, de cada vez que a chove, utiliza a lama para fazer pequenos tijolos – que descreve sem forma, frágeis, sem suporte - e que os coloca em forma de muro a cinco passos da sua cabana. Esta mulher crê, piamente, que serão esses tijolos em forma de muro que lhe permitirão fugir quando “eles” voltarem. É esse muro que vai salvar o seu filho porque lhe vai permitir ter tempo de correr. Mas esta mulher deseja encerrar o muro em torno da cabana. E ficará sem ter por onde sair. Acabará encerrada sobre si mesma e sem possibilidade de fuga.
Quem me disse isto hoje entende que o desespero desta mulher lhe roubou toda a capacidade de reflectir e de pensar. O medo desta mulher cegou-a de esperança e de liberdade.
Quem me disse isto hoje disse-me, também, que quem não entende que tem uma opção para além das outras – a opção de escolher deixar de escolher – perdeu a sua liberdade. Quem não consegue, por via do seu sofrimento, ver a saída última, o último reduto, a possibilidade de escolher deixar de sofrer, está privado da sua liberdade. E isso, na sua opinião, é maior que qualquer sofrimento que ela – a pessoa que me disse isto com lágrimas nos olhos – possa sentir.
E isto valerá o que vale.
Mas isto foi importante ter aprendido hoje.

11/11/2009

? ? ?

“(...) tente amar as próprias perguntas como se fossem salas fechadas ou livros escritos numa língua muito diferente das que conhecemos. Não procure agora respostas que não lhe podem ser dadas porque ainda não as pode viver. E tudo tem de ser vivido. Viva agora as perguntas. Aos poucos, sem o notar, talvez dê por si um dia, num futuro distante, a viver dentro da resposta.”


Rainer Maria Rilke

08/11/2009

Filmes do fim-de-semana

O King mantém a mesma melancolia.
Vazio.
Ou cheio de gente que nunca se vaza de tudo. Que fica sempre com um quê de qualquer coisa pouco mundana.
Ali me sentei, na sala 2 na sexta.
Na sala 1 no sábado.
Welcome - em divida para ver há mais de um mês. tempo perdido esse pois deveria ter sido visto logo. e já devia ter sido revisto. um filme fabuloso sobre a fragilidade da leis, sobre a franqueza de um país - ou de um continente? - a lutar pela (des)honestidade de uma (a)política justa de emigração. Mas não pode haver justiça. Mas pode haver lei. A dignidade de um homem que é ainda criança e que percorreu 4000km a pé ou debaixo de comboios, do Iraque até França e que aprende a nadar para poder sair de França para Inglaterra a nado pelo Canal da Mancha. Um elogio especial à vontade e à perserverança. e ao amor, naturalmente.
Andando - a essência do japão. uma obra pura, simples, traduzida à velocidade dos dias, revelada na lentidão das dores, uma franca homenagem à vida, aos "nós", a cada pessoa, a cada vida individual. uma verdadeira magia presente na banda sonora que é indissociável dos gestos, dos momentos, da(s) densidade(s) da natureza(s) humana(s). Andando é uma queseobraprima, uma revelação, um (re)encontro de si consigo mesmo. a humanidade está ali. e não é preciso mais nada. porque ali se compreende tudo. os gestos que se não fazem. as palavras que se não dizem. os momentos que se evitam. as memórias que insistimos em manter ou em apagar. o que perdemos. o que ganhamos. o que somos. o que nunca chegaremos a ser. um elogio à vida. imperdivel (aviso os mais sensiveis a irem na sessão das 19h ou, no máximo, das 21h...a da meia noite torna-se uma verdadeira lullaby).

07/11/2009

Momento

Nos teus olhos, o que não foi no que poderia ter sido.
Na tua face, o tempo esfarela-se empapado no espaço.
No teu corpo, és identicamente diferente.

E a conjuntura foi circunstância: momento.

06/11/2009

nasceste do lado errado da vida. há quase meio século. aqui ou ali, não importa.
nasceste do lado errado da vida. quando te pegaram. quando te trouxeram. neste ou naquele momento, não importa.
certo é que ficaste errado. ficaste condenado.
porque há condenação e pena na dor de não ser certo. de não ser completo. de ser diferente.
nasceste há quase meio século zé. e resistes. lutas dentro de ti para que eu e os outros te reconheçam, te saibam, te compreendam e ouçam no mais profundo dos silêncios que vem com a incapacidade de comunicar.
sei que não é aqui que desejas estar que compreendes a imensidão do mundo que desconheces em absoluto e não guardas mágoa. de coisa nenhuma. nem um pouco.
sabes as coisas todas que não eu não sei nomear. sabes mais do que eu alguma vez vou saber e nada me resta senão ouvir-te dentro do silêncio do teu silêncio. entender-te dentro das tuas mãos perdidas nos gestos, nos teus dedos emagrecidos e no teu corpo sem forma. resta-me querer-te bem. garantir-te que voltarás, em breve, muito em breve, ao lugar que conheces dentro do teu olhar e deixarás de ter tanto medo.
resta-me isso e tu sabes que isso será o suficiente.

02/11/2009

circulo

Pego no tempo e desenho o círculo.
Pego no círculo e escrevo o caminho.
E nos traços das palavras a incerteza da ausência de um qualquer olhar por ter sido tempo.
E o desenho a ser caminho no qual o círculo se aperta. Já não uma circunferência. Já não um raio de expansão. Agora um cerco qual inevitabilidade tornada espaço encerrado sobre si mesmo.
No corpo a incerteza da vertigem.
Para quando o equilíbrio? Para quando a vontade desfeita no retornar?
Agora o cerco a ser fogo nos aros. E o fogo a ser o espelho de um quase ter sido quase.
Podia ter esperado para ver as cinzas mas o corpo a sentir tudo. No estalar da pele o grito do passado a defender o inimigo.
O fogo nos aros a ser o fogo nos olhos. Tudo arde por dentro no fim das coisas todas. E as coisas por terem chegado a ser.
A demanda como porto de abrigo onde não há barcos atracados, onde não há água, onde o vento sem ter tido lugar permitido, assola todos os pequenos fragmentos.
A areia a ser o sepulcro.
O sepulcro a ser-me nas cinzas do corpo deixado à deriva.
Ontem. Ontem. Um dia antes do nada e a inevitabilidade da queda.
Deixo cair o tempo e rasgo o círculo. E no rasgo a certeza do espaço por ser saída. Por ser recomeço. Por ser um novo qualquer ser.
E hoje a deixar de ser ontem porque o ontem deixa de ter significado.
Hoje a ser o único lugar da crença e a ser espaço sagrado.
Agora a areia a ser lugar morno para repousar os pés. Agora já não as cinzas. Agora tudo é Fénix.
Hoje como o dia em que tudo retorna ao seu lugar e onde as coisas por terem sido começam a ser.