26/12/2021

queria poder sentar-me no lugar dos pássaros e esperar até poder ser parte das suas asas. 

 

mas eles voam sempre antes de mim.

17/12/2021

o que vês

quando deixas de olhar o mundo?

16/12/2021

 seguro-te na ponta dos dedos e viajo até ao último lugar de mim. 


não há razões, nem porquês, nem motivos.

talvez sejamos meramente o que podemos ser. as imperfeições, os fragmentos rasgados no ar, as palavras não ditas, os sentimentos não sentidos, as sequências inconsequentes de nadas ou tudos permanentes.

começamos e terminamos sempre no mesmo lugar. da mesma forma. num tempo diferente. 

o mar embate nas ondas enquanto entoa uma melodia que nem sempre conseguimos ouvir. as ondas desta noite definem o nome do teu abismo. contorna as linhas da costa que te desfaz. grita dentro de mim o que não és capaz de me dizer.

talvez haja uma redenção na forma como não dizemos tudo o que deveríamos. uma forma de pacificar a nossa relação com um qualquer deus que nos espera do lado oposto ao lugar em que sabemos estar vivos. para lá das ondas. para longe das linhas. fora das melodias. 

não há razões. nem porquês. nem motivos. 

somos pouco mais do que quase nada e isso terá de ser o suficiente.

06/12/2021

MeiO TempO

Seguro as palavras nos fios dos versos e as preces suspendo-as nos fios das palavras.

O tempo é um lugar estranho. Emerso na tristeza, o tempo cessa de ser tempo e passa a ser apenas memória de tempo. 

Seguro a memória da mesma forma desde o início do tempo da sua ausência. E nada parece mudar. Tudo permanece preso por fios estranhos, suspenso nas palavras soltas de uma prece qualquer. 


29/11/2021

ProFeTa

Caminhas por entre as levadas a escutar o som de chuva que as folhas deixam ao sabor do vento por entre as terras das encostas esculpidas nas rochas. Há uma estrada que atravessa montanhas e nascentes e que te leva do lugar em que te permites estar ao lugar que te aparta de tudo o que resta.

Procuras viver. Existir, só por si. não basta. Existir sem viver é, essencialmente, não existir. E o que somos, se não vivermos? De que serve percorrer todas as levadas se nunca aprendermos a respirar (n)o caminho? De que serve existirmos, se nunca nos realizarmos?

Sabes-te a atravessar um vasto deserto. São sombras, miragens, tempestades e suor o que te ocupa o sonho e a vigília. Caminhas, incessantemente, o(s) caminho(s) que te conduz(em) à vida.  A vida que subsiste por dentro da aridez ferida do deserto que persiste dentro da tua alma.

Fazes teu caminho, descalço, sobre as areias do interior desse deserto. Caminhas depressa, como se o mundo fosse terminar - sempre como se algo ou alguém te fosse trair - com uma sede que se não sacia nunca, com uma intensidade impossível de abrandar. Seja no âmago das cinzas, no contorno dos espinhos dos tojos, na fúria rasgada das ondas do oceano ou na clareza das planícies de um norte de áfrica esquecido dos olhares comuns, caminhas sempre depressa.  

És, simultaneamente, o verso e o reverso e és

lugar de água            que escapa e que encontra sempre lugar para continuar

lugar de terra            que segura e cria raízes e que soterra o que já não carece ser 

lugar de vento           que sibila, acaricia, conduz e pode levar tudo ao limite da aniquilação

lugar de fogo            que destrói, chora cinza e depois refaz para doar as asas a fenix

e todos os sinais da terra acontecem em simultâneo por dentro de ti. Caminhas, por vezes tão pesadamente leve, por entre a areia movediça de tudo o que acontece por dentro de tu'alma, no centro da terra, no vértice da náusea, no expoente da miragem, onde tudo e nada são possibilidades profundamente equidistantes.

Atravessas tudo na vida com gestos feitos de chuva, beijados a vento. Ardes intensamente, por dentro, a cada sinal da evidência da tua indelével inconstância. É ela que te sustém ou tu que te sustens nela?

Que procuras, afinal, se te encontras sempre na pressa de chegar permanentemente a um qualquer outro lugar onde ainda não tenhas estado? Reside em ti a premente necessidade visceral de estar sempre a partir, de nunca chegar, verdadeiramente, a parar. Persiste em ti a impaciente paciência dos eternos inconformados...ou  insatisfeitos?... Ou incompletos?

Talvez vivas fragmentado na crueldade poética da tua essência poeticamente cruel. Mas não serás tu, em limite,  um poema gentil a queimar as palavras de dentro e a verter para fora as palavras que te escudam do terror do mundo onde aconteces?

És além deste lugar em que cortas com tudo o que te não satisfaz mas em que, talvez seja a ti que cortas - a ti mesmo - em fragmentos cada vez mais finos, cada vez mais ínfimos, cada vez mais breves.

Se fosses mais matéria do que essência, não resistiria em ti esse lugar magnânimo reservado apenas às coisas que o mar tem por dentro. O lugar verdadeiro que reside em ti é imensamente profundo, profundamente imenso. Talvez não o vejas, talvez não o queiras verdadeiramente saber. 

Permites-te manter à tona de uma insatisfação eternamente insatisfeita

a quereres, sem querer

a não quereres, querendo

a quereres querer sem chegares a querer

e deixas de querer quando começas verdadeiramente a querer. 

Aprendeste a (sobre)viver na vida guerrilhando uma defesa constante. Talvez a tua maior consistência. Edificaste não muros mas muralhas de pedra em torno do leito de água que te habita para que os espinhos da vida não te ferissem mais a carne e o sonho. E debaixo do teu castelo há um abismo invocado pelo abismo maior, tecido nos finos fios de seda de tudo o que pandora guarda dentro de ti.

És lugar de mistério e da paixão de cristo. Lugar da terra prometida que nunca dorme na certeza angustiante da fragilidade da sua finitude. És lugar sagrado onde não permites que ninguém permaneça demasiado tempo. Um templo reservado apenas às preces mais silenciosas. 

És a obscenidade e o amor condensados num mesmo gesto. Um deserto e um oceano. A tese e antítese. Talvez seja a tua inconstância a tua maior consistência. A tua imensidão, o teu maior abismo. A tua vida, um poema por escrever em dedos de tinta feita de água.