23/11/2015

chEmin


Vejo-te atravessar a recta que te define no sentido descendente. Há um rasgo de agonia que te preenche os passos erguidos das cinzas. Falas para ouvires o som da tua própria voz e sentes as palavras a desvanecerem no sentido que desaparece de encontro ao silêncio que chega com o fim da noite. Sentes as vísceras a queimar-te nas cinzas abertas do corpo enquanto olhas o nascer do dia a erguer-se de dentro da tua pele. Fechas os olhos na ilusão de poderes desaparecer mas logo a dor te recorda como o teu corpo ainda aqui está a tentar renascer das cinzas do incêndio repetido que acontece em ti quando consegues medir o tamanho imenso do deserto que te ocupa no interior do caminho.

 

E não desistes, nunca, de continuar a andar.
choro-te na infinita infinidade do teu sofrimento

frEdo

Faz frio enquanto danço
e quando fecho os olhos.
 
Faz frio quando grito
e quando guardo a dimensão inteira do teu silêncio na palma da minha mão.
 
Faz frio quando sinto
tuas mãos a ameaçarem a estabilidade da minha pele.
 
Salvaguardo o meu silêncio enquanto espero que anoiteça.
Encerro o corpo dentro de mim
e danço.
 
Faz frio enquanto danço.

 

15/11/2015

no reTurn

Sou o silêncio que te reveste a pele
a maré que retorna ao principio da noite
o assobio que te colhe na alma
a magia das estrelas que cedem à queda
Segura-me na mão enquanto atravessamos o rio
Segura-me nos passos enquanto seguimos este deserto
e talvez possamos não chegar a regressar.  

10/11/2015

nuDez


Dispo-me enquanto a noite arrefece.
A pele dos meus pés toca o ranger da madeira. Levemente.
 
Sento-me, sem nada a tocar no corpo, no chão junto à janela virada para a rua. Lá fora ainda não faz tanto frio como dentro de aqui. Reconheço a pele a lutar contra tudo o que sente vindo desta janela. Uma aragem incessante a colocar à prova a sanidade.

Arrasto as mãos pelo odor do meu cabelo. Pouso-as sobre a cegueira dos meus olhos e desço, pelo resto do meu corpo até as pousar sobre a solidão da tua ausência.

O chão ecoa os teus passos. Consigo vê-los na perfeição através das linhas rasgadas na madeira. Sei que minha pele começou a sangrar enterrada sobre as farpas do passado vivido aqui, sobre esta madeira que canta as canções mais antigas.

A casa não fala enquanto a noite se põe. Não cheguei a despertar nenhuma luz pelo que rapidamente o meu pensamento fica tão cego quanto meu olhar. Penso no que penso e encontro já muito pouco. Um pensamento vazio num corpo despido sob o olhar do inverno. Um pensamento inebriado pela intensidade da tua partida.

Encaro a agonia de frente. Sinto as mãos a partirem para o lugar mais quente deste corpo. Coloco um dedo sobre os lábios do deserto aberto em mim e canto o canto dos cisnes pelo interior da noite que me abraça, inteiro, na possibilidade da sua finitude e penso que te irei encontrar. Depois. No interior da minha despedida.  

09/11/2015

memÓria


Recordo-te no odor das urzes na montanha. Sinto o teu corpo no toque da rocha. Ouço o vento pronunciar – baixinho – o nome que te define. Percorro-te nas linhas da tua face com os dedos a tocar na água do rio. Corre sobre mim a névoa das tuas manhãs e o sossego da noite que só acontece em ti. Recordo-te em todos os momentos do dia embora nunca te encontre. Calcorreio os contornos dos teus passos e conduzo-me – em silêncio – até junto do lugar que foi em ti. Guardo-te nos gestos – devagarinho – como se te tocasse ao de leve e entoo o silêncio que habita em ti. Seguro-me nos gritos – suavemente – e sossego os meus medos na memória de ti. E ser assim, o que resta de ti em mim, é só o que é necessário para chegar até amanhã.

efémeRo


A noite começa com a agonia dos dias. Chove ininterruptamente desde que nasci. Nem um dia sequer a chuva parou de cair sobre o que restava de mim. A noite começa com o fim dos dias sobrepostos na mesma cor. Sempre na mesma cor. Sempre no mesmo lugar. Iniciei uma tentativa de fuga que me persegue há vários anos, décadas, eternidades. Tudo em mim é eterno. E efémero. Tudo em mim fica enquanto parte. Tudo em mim parte por não poder nunca ficar demasiado tempo a chover.
Doí-me o corpo quando me sinto na alma. O respirar é sonoro, vagaroso, sem ternura. O corpo balanceia na certeza incerta de continuar a correr, embora parado, embora o tempo tenha cessado na mesma cor dos mesmos dias sem fim.
Talvez seja a eternidade que habita em mim que me permite sobreviver à torrente de água que me segue todos os dias em todas as noites. Talvez seja a efemeridade que espero que aconteça em mim que me impele a continuar, sem parar, a correr na tentativa desenfreada de um dia conseguir escapar a esta chuva eterna.
 
A noite começa na agonia das noites em que a chuva não cessa de cair sobre os corpos perdidos no respirar lento.