31/07/2017

não há espaço para existir aqui

não há espaço para existir aqui. só paredes e este corredor que meus passos excedem e que não conduz a lugar nenhum. não há espaço para respirar aqui. para gritar. para correr. para voar. as grades circundam o ar a lembrar que não é possível fugir. o tempo que se suspende no corpo a lembrar que não é possível sonhar. não há espaço para existir aqui e eu morro um pouco mais cada noite que passa. respiro um pouco menos. movo-me até não ser mais possível e acabo por me fundir no lugar que ocupo. como se fosse nada. como se em nada me transformasse. como se ao nada finalmente regressasse. não há espaço para existir aqui por isso me morro. por isso desvaneço. por isso cesso de respirar até ser absolutamente nada.

28/07/2017

vEnto

Deixei de poder escrever. 
As letras saíram das palavras e perderam o caminho de volta. Não há retorno quando tudo cessa de respirar. Não há possibilidade de retorno quando se deixa de poder existir.

As folhas voaram no vento da noite. Sabes que faz vento aqui? Sabes que tudo se funde com a noite quando tudo se extingue numa espiral insane pelo vento dentro e não encontra o caminho de volta?

Vês as minhas mãos na pele? Vês as minhas mãos nos espinhos? Conta-me os passos enquanto me dirijo até ti. Conta-me nos momentos em que eu quase que desapareço do teu olhar e tu perdes o caminho de volta. Para mim. De mim. Em mim.


Deixei de te poder escrever. Escrevi-te metade da minha vida inteira e agora não consigo mais. Cheguei ao fim do caminho. Não encontro os passos de volta. Leva-me o vento. 
Extingo-me na noite.

26/07/2017

forGive

Perdoa meu embaraço. As palavras confundem-se dentro das vozes e as vozes confundem-se dentro dos olhos e os olhos dentro das mãos e as mãos dentro da distância e a distância dentro de mim. Perdoa minha angústia. Sou o que fica quando tudo termina, os restos da pele sobre a terra molhada, as sombras das folhas que o tempo fez cair, a penumbra dos lugares onde a luz nunca poderia ter chegado. Perdoa meu desespero. O facto de respirar apenas porque o corpo continua a seguir, continua a continuar a não parar a não ceder a não serenar. Perdoa a minha certeza. A de que vou chegar ao ponto em que existir sem viver não pode mais continuar a ser o lugar que me cabe. Perdoa quando eu partir. 

25/07/2017

Toquei-me na esperança que o dia terminasse. Contei as tábuas do caminho enquanto a chuva me macerava a ausência. Falei incessantemente para uma parede vazia e nada do que disse chegou a fazer sentido algum. As palavras só têm significado no escutar dos outros.


Se as palavras não forem ouvidas, de que vale serem proferidas?

escutA-me

escuta-me.
são sombras que te atravessam a pele. são restos de memorias vividas que te invadem e te colocam no espaço caótico em que te revês.
Escuta-me.
este é o lugar em que te reconstrois, em que recomeças, em que te podes reencontrar com quem eras antes de ti.
Escuta-me.
são apenas diabos a perseguirem-te por dentro mas tu tens escolha. Tens onde te segurar.
Escuta-me.

não precisas de desistir agora. Estamos quase a chegar. 

21/07/2017

ágUa

comecei por colocar os dedos sobre a água até deixar de ser.
perdi a pele sobre o tempo até deixar de ver.
troquei os passos pela dança até enlouquecer.
comecei no principio das coisas terminadas até ter destruído tudo
comecei por colocar a água sobre as mãos até adormecer.

18/07/2017

antÍtese

Não tenho que fazer nada. Não tenho de me mover. Lá fora tudo acontece, tudo está em movimento e eu aqui parado. Cessei no tempo que não passa. Tudo em torno de mim se move excepto eu mesmo. Estou, talvez, na antítese do lugar que havia construído antes de chegar aqui. Tracei as linhas certas do caminho certo mas acabei aqui, neste qualquer outro lugar que me é profundamente estranho e onde não me sinto. Tacteio a pele dos pés sobre o vento frio do norte para me saber vivo. Olho a noite que abraça o céu e revejo-me no reflexo deste tempo que me olha sem me ver. Penso no espaço que vai deste lugar até ao centro do universo, até ao lugar onde se termina de respirar e perco-me nas barreiras da angústia. Tudo acontece fora de mim enquanto eu respiro na incerteza de que o ar exista, na inválida insegurança de que pode chegar o dia em que eu possa, por fim, quedar-me deste lugar e encontrar o centro da noite. 

me myself & i

sou um lugar em que nada começa e em que tudo termina e não cresce, em que tudo nasce sem razão e em que não há razão em nada do que sinto e o que sinto são coisas imensamente distantes e estranhas e confusas e difusas e o que vejo são precipícios em que me quase que quedo e em que me quase que despedaço sem ter nunca começado verdadeiramente a caminhar e em que o caminho é sangue em feridas abertas ao sal das lágrimas que, em silêncio, desvelo e em que a terra que penso ter sobre os pés é apenas areia e em que os meus passos são apenas as sombras do que resta de mim quando tudo o que acontece por dentro me rouba as palavras e me desfaz a linha do pensamento e que dança dentro de mim e eu perco o norte e perco o sul e perco todos os pontos cardeais e deixo de poder contar seja com o que for, seja com quem for, e em que não encontro nada porque tudo o que está em mim está além de mim e aquilo que sofro ninguém entende nem ouve nem sente e eu não me consigo tocar nos dedos não me consigo tocar nas feridas não me consigo encontrar dentro de mim e sou um lugar em que termino sem ter chegado a começar porque de cada vez que dei lugar ao movimento, caí dentro de um vórtice dentro de uma aresta, dentro de um degelo dentro de um abismo, dentro de uma solidão tão estranha em mim, e procurei - confesso que procurei - por mim em todas as vozes em todos os ruídos em todas as pessoas que se puseram entre mim e mim e entre mim e o fim e entre mim e o começo e entre mim e outro lugar em que eu não precisasse de acordar, em que eu não precisasse de ser, em que eu não precisasse de nada para poder continuar, mas algo em mim me consome e dilacera, me termina e me assusta e me conduz a um lugar que não conheço dentro de mim e que não sei explicar e que não gosto e que me segura com garras fundas de noites inacabadas em que a única coisa que me podia salvar eram os que não estiveram não entenderam não souberam ouvir não quiseram ficar e não me agarraram nas mãos nem na alma, que me podiam ter segurado nestes finos fios de seda que ainda me prendiam à vida e por isso sou o lugar em que já nada pode começar porque tudo já teve o seu lugar e agora sou o que sou dentro de mim e não tenho as palavras que me possam libertar deste lugar em que uma parte de mim permanece sem poder fugir e outra onde me desfaço na mais absoluta solidão dentro do que resta de mim.

17/07/2017

comecei pelo fim. sangrei-me nas mãos e na alma até me diluir inteiro na chuva. comecei incessantemente a terminar no dia em que percebi que o acto de existir era superior a mim. ninguém viu quando tudo em mim ruiu pela primeira vez. quando deixei de saber sorrir. quando deixei de saber falar sobre o que acontecia em mim. comecei a terminar da primeira vez que me vi e deixei de ser eu e desde então, atravesso desertos que não terminam nunca e rasgo o meu corpo para saber que existo para além de tudo isto que não sei explicar mas que acontece em mim.