You can try to save me from everything...
But you can never save me from myself.
Quero pegar neste cavalo ensandecido que galopa a minha mente e largá-lo nesse lugar deserto que é teu sentir.
Reconheço que tenho a boca conspurcada, as palavras sujas, a tinta que me corre nos dedos contaminada e talvez, apenas talvez, queira violentar-te, (ab)usar a tua pele, permitir tua pomba voar sobre o que restar de mim e jamais compreender teu desejo.
Talvez queira que não pares mais aqui. Que escorras sobre mim e me abandones no deserto.
Talvez escolha morrer da sede do que vinha depois e não deixar cair a dignidade das penas sobre a maré vazia.
Vou deixar que este cavalo galgue a incerteza das areias e caia, em silêncio, sobre o abismo da minha solidão.
Sinto que há uma besta alada de angústia a percorrer-me inteiro por dentro do sangue. Não sei como nomeá-la, não lhe reconheço a forma, não chego a entender os contornos dos seus limites nem consigo segurar o exacto momento em que começou a voar em mim. Mas traz nas suas asas um sabor às coisas que findam antes do tempo. Parece trazer um fim sem que me tenha sido permitido, sequer, um rasgo de princípio. Ela navega-me ao ponto de não conseguir voltar a tocar terra firme.
Tudo é areia. Tudo é água. Já nada parece ser seguro e eu não tenho asas.
As sombras da noite parecem resvalar nas arestas dessa angústia e invadem, de asas abertas, as portas dos meus sonhos.
Já nem sei bem de onde vem o fogo, o fumo, o suor, este aroma a sexo aberto sobre a minha fantasia moribunda.
Quero parar e esperar por mais. Saber até onde posso chegar. Talvez saber onde poderei respirar. Saber, exactamente, onde vou terminar. De olhos fechados. De mãos abertas sobre o barro.
Acabo por permitir que esta besta veleje por mim adentro, até eu já não me recordar mais do que trouxe a este lugar.
um leitor ávido tem de ler todas as palavras do livro. até ao fim. completar a história.
quando um livro não termina de contar a história, um leitor ávido pode tornar-se um leitor paciente. um leitor paciente, no entanto, se a história não chega nas palavras a contar o principio do seu fim, pode vir a tornar-se impaciente.
o que pode fazer um leitor impacientemente a aguardar o final da história que o livro lhe entregou?
és água. eu sou deserto. e é apenas nessa medida que necessito de que existas em mim. não almejo nenhum oásis, não creio que possam coexistir na natureza que me baliza. preciso apenas das gotas que servem à terra o respirar. e, se não correr nenhuma água sobre a minha pele gretada, perecerei mais rapidamente na secura agreste que me assiste. mas sigo agarrada aos ventos e permaneço a rodear dentro da areia quente até chegar ao final de mim.
Diz-me
pode a dor superar a cor do fim
do dia?
pode o corpo sucumbir quando o
dia terminar?
poderemos, alguma vez, esquecer
tudo o que dia devastou em nós?
O Outono começa a criar raízes dentro
das minhas mãos,
nos sulcos da minha pele que já
se cansa tanto,
na tormenta crescente dos dias
minguantes que são já tantos caídos em cima deste corpo que parece ter perdido
o Norte.
Caminho pelo princípio da
possibilidade de reencontrar a cor bela do final dos dias…a noite é uma amante
fera que vem agora aniquilar todas as cores tão ferozmente rápido…
Com a noite chega esta tristeza
que me abraça e me não larga mais,
com a tristeza vem a dor que angustia
cada fragmento da minha alma,
com a dor regressam os fins de
tarde que partiram dentro das memórias que inadvertidamente se vão obliviando…
Diz-me
pode Deus edificar um castelo nestas
minhas mãos? Pode Deus assentar pedra por dentro desta minha permanente ausência?
Diz-me
quando esta dor poderá terminar de
doer…
quando o outono poderá terminar
dentro de mim…
quando poderei voltar a encontrar
o Norte das palavras e a direcção do caminho?
Queria ter-te aqui para ser pérfido e devasso.
Para te corromper e logo te abandonar.
Para te chamar e não te tocar.
Para te cheirar e deixar cair.
Para te arrancar as palavras do papel e o sangue das mãos.
Para te atirar às areias negras do poço velho.
Para não mais pensar em ti.
Queria ter-me amarrado na armurada à espera que me agrida a raiva contida das ondas ferozes do inverno. Elas cavam abismos dentro da minha mente, dia após dia. Só me resta aguardar que levem o resto de mim.
Não te quero aqui. Não mais.
Tenho absolutamente mais nada para dizer.
Teu segredo está esculpido nas encostas de basalto.
É negro por dentro.
Cor do fogo por fora.
Cor de ti nos contornos.
Cor de vazio no peso.
Pedra negra a desenhar as linhas impossíveis das coisas inevitaveis.
És sarça que arde no lugar mais fundo das almas.
Consome-te o fogo, dilacera-te a ânsia, devasta-te a solidão das insónias.
Sentes aquele medo que se rasga nas mãos quando se deixou de ter medo.
Aflige-te a certeza da finitude e o teres chegado com tuas mãos feitas de água ao limite da linha do mar.
Não sabes que caminho tomar. Não queres escolher.
Talvez , afinal, tenhas medo de ter medo e seja o medo que te impele à indecisão.
És feito de água. E a verdade é que escorres sempre em direcção ao mar.
És ribeiro, riacho, rio, oceano, és gota de orvalho, gota de chuva. És tempestade inteira.
Terás de embater de frente às rochas. Espalhar na pele o negrume do orvalho e no grito a intensidade do fogo.
Talvez tenhas de consumir o que te destrói para poderes renascer das cinzas
Quero sentir na boca o frio
e as tuas garras a arrancar o sangue quente de dentro do meu ventre
Vou agarrar a noite com os dentes para me libertar das mãos e dos pântanos que me consomem
Vou respirar o lodo com a pele dilacerada e abraçar os cardos que cavalgam o que resta dos meus sonhos
Vou escancarar a fornalha e gritar as labaredas dentro do peito
Vou deixar que os cavalos corram desenfreados na minha liberdade condicionada a estas escaras que eu cavei com os dedos ásperos da esperança
Quero deitar-me nos contornos de qualquer pele inscrita no carvão enquanto umas quaisquer mãos ditem o caminho da minha (re)condenação
Quero compreender o silêncio que o fogo tem nas crinas do meu sangue
Espera...
Não...
Quero compreender nada.
Invejo o vinho que te acaricia os lábios
Cobiço os dedos que seguram os copos e as palavras e os corpos e as vozes
Ambiciono os caminhos que conduzem aos lugares onde nunca se chega a chegar
Tenho sede do mar das mãos que são tuas e da fantasia que é a minha
e seguro-me no calor errado deste outono para calar a dor
para serenar a ânsia
para alimentar a fome
para reconhecer o desenho do ar dentro do meu peito
Reconheço os grilhões onde sucumbiu a minha liberdade e o vazio em que caí na tua paixão
Invejo, agora, os lábios que te acariciam o vinho e reconheço que já não sou digno de ter lugar
na imensidão de tuas mãos
na ruidosa calamidade do teu sentir
no caminho que conduzia ao lugar de ti.
São insignificantemente significativas as coisas que faltam. As coisas que não estão nos lugares que consideramos como certos. Que não são quando as julgamos ser. Que não estão quando estávamos absolutamente seguros de que estariam.
São partes que faltam. Membros. Peças. Sentidos. Pele. Espaços. Lugares.
E depois, pelas coisas que faltam, as coisas que são deixam de ser as coisas que deviam ser e tudo parece, de repente, pintado nas labaredas mornas do inferno que sabemos sempre, sempre, tão próximo da pele.
E aí, no momento em que entendes
que nada pode retornar a ser o que havia já sido, tudo adquire um significado
incontornável.
O único cenário que me permito vislumbrar na partida, é o manto de luzes que alumiam as encostas da Ilha e que revelam os caminhos de regresso a casa.
Talvez seja no lugar mais escuro da noite, este em que agora me encontro, que procure encontrar o que te ilumina dentro do olhar que é o meu.
Escavo fundo o abismo que minhas mãos temem ter em ti e recuo, vagarosamente, quando entendo que não poderei encontrar lugares além destas areias que se movem incessantes.
Pensei que iria haver chamas, labaredas, velas, candeias, lume, mas há apenas os ventos áridos devastados pelos segredos inventados das planicies ocres do deserto das mãos que são as tuas.
Tanta água e tanta areia no mesmo lugar... Tanta luz e tanto breu...Tanto de divino como de luciferano, mesmo sendo lucifer o anjo que perdeu a luz e as asas, tu és o lugar devastado da devassa ausência de esperança.
Perdes, a cada momento, a vontade, a tolerância, a sabedoria da espera e a vertigem da demanda.
Corres sempre, somente, no sentido de enganar o temor de parar.
Perdeste já o sentido das minhas mãos. Já te não fazem falta.
Eu creio ter perdido o sentido da tua alma, as linhas da tua pele, o sabor das tuas palavras, o sentido do teu sentido.
Encontramo-nos cada vez mais longe. Tu a correr o deserto coberto de mar. Eu a escavar a luz que mergulha no âmago da noite.
Já não vamos saber encontrar o caminho de volta.
A noite cai de forma lenta sobre o abandono da ilha.
Não há âncoras. Não há costa. Apenas o movimento ininterrupto das marés e dos naufrágios.
Estive sentado sobre a orla do dia a aguardar que chegasse tua voz nos indícios do vento quente.
Não há âncoras.
Não há regressos possíveis. Quando se parte, não se regressa jamais da mesma forma. Quando se regressa, não se regressa inteiro, nunca mais.
Não há nenhuma âncora. Apenas o deserto do mar e da imaginada linha que o separa do céu.
Assim me aparto eu.
Creio que jamais saberei regressar do naufrágio deste abandono ao crepúsculo.
começa do começo.
conta a história como se contasses o ar. respira como se escrevesses as letras todas das frases inteiras. ignora a saudade que sentes. cessa o silêncio da ausência que te devasta as vísceras e cede à tentação da insanidade. repele o branco do vento e guarda a ferrugem do rancor dentro dos bolsos da pele.
começa do começo.
onde?
vejo-te as lágrimas caídas sobre a madeira que reveste a mesa.
talvez não haja, de facto, fim para o que se sofre por dentro da voz, no interior mais fino das planícies desérticas da solidão.
a sombra das coisas que foram coisas antes de serem apenas as sombras das coisas que eram, vertem seus silêncios, em segredo, por entre os veios tristes da madeira velha.
não há nada que nos segure a queda. nem a liberdade. nem a gravidade dos gestos. só a força dos agueiros. só a paixão do apelo quente do abismo. mas nada que nos segure nos braços.
vejo o que permanece distante no reflexo triste das tuas lágrimas.
não há palavras
nem gestos
nem madeira
nem água
que possa calar o silêncio das sombras.
Tenho-te nos braços quando acordo só e me imagino à deriva.
Trago-te na saliva quando a apneia me reduz ao sentido da asfixia.
Levo-te nas mãos quando mergulho na altura inteira do mar que me esconde das marés.
Guardo-te sobre a epiderme para me vestir da tua essência e conseguir respirar.
Inalo o aroma da tua voz e deixo ecoar dentro de mim toda a gravidade solene da poesia que reside na melodia de ti.
Olho os outros que se movem na correnteza suja da cidade e penso como sou indiferente à névoa de cinza que se abate sobre o tempo.
Tenho só a pele dos braços quando acordo à deriva, no mar alto de cinzas apagado, sem me lembrar de como respirar.
há fogo a devastar os silêncios
os segredos
as ausências
os erros
os infortúnios.
há fogo a lavrar os campos
as colinas
as serras
as marés
as palavras.
há lava a cravar a pele
os dentes
as bocas
a saliva
a direcção.
há fogo a queimar o interior
de mim
de ti
de nós
de vós
de todos.
resta
esperar
em apneia
pelo regresso
do prenúncio
da chuva.
Perdoa-me, amor.
Mas vou continuar a caminhar no lado em que se deita a sombra. No canto mais longo do jardim. Nos caminhos onde não haja outros passos. Junto das flores selvagens e das ervas que danam. No lugar onde a lama permanece porque ninguém se interessa. Onde há pó. Onde há covardia.
Não vou ousar os caminhos cheios de sol. Não quero estar ao calor nem a ver os pássaros que fogem.
Não sei caminhar longe da gravilha e do lodo. Não sei caminhar os teus passos.
Vou ficar aqui e ser aniquilada pelos leões. Os leões só devoram aqueles que ouvem os seus rugidos e temem entrar na caverna...
"O amor é
uma palavra
suada
entre os meus dedos"
Ondjaki
Se o amor é uma palavra suada entre meus dedos, são minhas mãos a prova da essência que soa, ressoa e entoa quando ouso segurar-te na pele.
Trago nas mãos a palavra que te guarda do interior de minha alma. Trazes na água a antítese da tese sintetizada onde tudo é irremediavelmente intransponível.
Se te dissesse as letras da palavra sem ser no suor dos dedos, iria chegar-te à garganta um grito ácido que se corroeria por dentro e te iria impelir à fuga para mar alto.
Há almas que nasceram na gutural eterna insatisfação de não ser possível tolerar ser-se amado. Nem no suor dos dedos, nem no sangue das palavras, nem na profundidade dos gestos guardados no sentido das mãos…
És meu alimento quando vens. Meu naufrágio quando partes. Meu alimento quando partes. Meu naufrágio quando chegas. Queria poder dizer-te palavras que suam como lágrimas e soam como preces. Não digo. És profeta e herege. Salvação e condenação. Bênção e pecado. Não te posso dizer. Pois queres tanto quanto não queres. Podes tanto quanto não podes. Desejas tanto quanto não desejas. Começas tanto quanto terminas. Terminas tanto quanto começas. Tens tanta vontade de chegar como a vontade que tens de partir.
E eu permaneço na silenciosa intenção de ir em busca das estrelas que brilham na gargalhada que desperta do âmago da escuridão que te habita a alma.
Entranço o cabelo.
Dispo-me das roupas. Devagar.
Desfaço-me do dia. Sem sentir pressa.
Lavo a pele fendida nos ganchos que me sustêm até não sobrar sangue.
Deito-me no chão frio da madeira que sustenta o grito do inverno e permito-me desaparecer no som dos passos que ecoam no ranger do caminho.
Sei que não poderei mais regressar.
Aceito.
Fecho os olhos.
Entrego-me ao silêncio da noite.
Até que minha pele se funda com a agonia da madeira e nada, depois do vento do norte sibilar, possa sobrar.
sou o que resta do naufrágio.
morro na solidão da madrugada, num canto deixado à sombra na praia. tal como os animais de água que perdem o rumo. como todas as coisas que naufragam no alto mar. como todas as peças que se perdem. encalhada nas rochas.
tenho a boca cheia de água. tenho o ar cheio de água. tenho a pele encharcada. tenho os braços abertos. como todos os pássaros que morreram dentro da minha voz. de asas abertas. de mãos fechadas. com as penas negras nas letras das palavras.
devia ter mantido o silêncio no segredo e ter aberto as mãos enquanto fechava os braços. vai fazer sempre noite dentro da água que se me arrasta no sangue. vai ser sempre sombra no lado mais recôndito da praia de calhau negro.
sou o naufrágio do que resta.
Apetece-me gritar a dor e fazer parar o tempo.
Cheira a limões acabados de colher e a mortes acabadas de anunciar.
Sei como ruem as vidas suspensas na certeza de que não é o tempo que se move. Eu quero que seja tempo do tempo se mover e da vida poder parar. Se pudermos parar, agora, talvez a morte que te acaricia a pele possa cessar, possa deixar-te ficar.
Quero gritar até que pare a dor do tempo não parar.
permaneço parado
nas sombras do inverno.
seguras-me com um dedo
para,
quase de imediato,
me afastares com as duas mãos abertas.
chegas aqui
no gesto lânguido das palavras mortas
para logo não estares
nem aqui nem em lugar nenhum em que eu possa ficar parado.
o inverno é isto.
pedires-me para me mover
mas se ousar um passo,
um passo que seja,
nada encontro para além do abismo de frente ao vazio.
volto atrás.
vou recuar até me cruzar com os ventos áridos
avançar na direcção oposta
ao lugar que o inverno reserva para ti.
estou a arder por dentro.
vou consumir o pouco
o que resta
antes do primeiro grito da primavera.
Juro que sou fiel
à tua ausência
ao teu silêncio
a todas as formas como te libertas dos correntes da minha férrea existência.
Juro que permanecerei em silêncio enquanto
teu grito me despir
tua boca me esquecer
tua voz me abandonar agrilhoada nas palavras sem sangue.
Despe-me
vou virar-me de costas
deixar que se esbata o que permanece depois das marcas da tinta ocre sobre as linhas de chuva de um qualquer pincel já deixado pelo tempo
pois não irá sobrar mais do que um esquiço rude da forma que me definia na linha das tuas mãos antes de me teres deixado parado no caminho.
Juro que sou fiel ao silêncio que fica por dentro da inevitabilidade da ausência de ti
enquanto as palavras pintadas de uma oração que se acorrentou ao grito que guardo dentro da boca me dançam na insanidade de se não poder ser mais do que esta ténue linha ressequida nas mãos de ferrugem onde antes havia cabido o mar inteiro.
São insignificantemente significativas as coisas que faltam. As coisas que não estão nos lugares que consideramos como certos. Que não são quando as julgamos ser. Que não estão quando estávamos absolutamente seguros de que estariam.
São partes que faltam. Membros. Peças. Sentidos. Pele. Espaços. Lugares.
E depois, pelas coisas que faltam, as coisas que são deixam de ser as coisas que deviam ser e tudo parece, de repente, pintado nas labaredas mornas do inferno que sabemos sempre, sempre, tão próximo da pele.
E aí, no momento em que entendes que nada pode retornar a ser o que havia já sido, tudo adquire um significado incontornável.
Ficam presos na garganta...
As ausências. As distâncias. As perdas.
Os cárceres. As lacunas. As angústias.
As incertezas. Os desvarios. As impurezas.
Os segredos. As obstinações. As intempéries.
Os sacrifícios. As tristezas. Os irremediáveis.
As culpas. As desventuras. Os erros.
As inevitabilidades. As consequências. Os castigos.
As sentenças. Os pesos. As fugas.
Os silêncios.
Tudo agrilhoado no lugar onde habita a voz e se enlevam todos os finos filamentos do silêncio.
encosta a lâmina na minha pele
dos lábios
encosta a pele da tua mão no sangue que escorre
de mim
como chuva
pela longitude dos cabelos
deixa cair a lâmina dentro do que falta até que consigas encontrar o destino do último gesto contido na incerteza de eu ainda estar aqui
encosta tua pele rasgada no asfalto ocre que exala do meu hálito e sente tudo a arrefecer com a noite
guarda as asas nas mãos
a lâmina na boca
dilacera o que resta de todas as palavras
e cobre tua pele do sangue que termina
em mim.
este é
definitivamente
o derradeiro gesto
de ti
na minha pele.
que lugares são esses, os que teimas em esquecer?
que memórias são essas, as que intentas apagar?
porque viajas na viagem, se o ir é apenas encontrar a razão para voltar?
o que fica de quem és quando o calor evapora na noite e as estrelas se desvelam
tímidas
contidas
na imensidão do negrume abissal do espaço que te rodeia?
gritas no silêncio de terra
de barro vermelho
esperas ventos do norte para permitires que a tempestade de areia te cubra os olhos
a pele
o respirar.
que lugares são esses em que te devastas para te lembrares do caminho até ao lugar de ti?
talvez regresses
talvez não possas regressar
mas se o lugar voltar a ser o mesmo
o que restar de ti, já não vai lá estar.
Por vezes,
só por vezes,
sinto-te na falta
como se fosse devastadora
a tempestade
que acontece em mim.
Preciso
regressar a ti,
apenas por um breve momento,
pelo tempo que me possas dar,
apenas o suficiente
para eu
voltar a respirar
em mim.
Preciso
reter(-te) nas mãos,
só por um breve momento,
a água que me traz de volta.
Limpa-me nas lágrimas.
Beija-me nos olhos.
Segura-me nas mãos.
Acende-me nas labaredas.
Apaga-me no anoitecer.
Suspende-me no tempo.
Mata-me ao amanhecer.
Recorda meu nome.
Cala-me na boca.
Repete-me no arrepender.
Desvasta-me no corpo.
Fere-me na língua.
Serena-me nas marés.
Enrola-me na areia.
Suspende-me no tempo.
Grita-me no devir.
Diz-me que me queres.
Compreende-me na dor.
Deixa-me a queimar.
Arrepia-me no ouvir-te.
Canta-me no poema.
Faz-me partir.
Ajuda-me a chegar.
Mostra-me no caminho.
Atira-me ao mar.
Alimenta-me de ti.
Rasga-me a roupa.
Mata-me na sede.
Prolonga-me no momento.
Silencia meu grito.
Puxa-me para mais perto.
Suspende-me no tempo.
Deixa-me cair.
Volta para trás.
Olha para mim.
Cala a minha dor.
Limpa-me nas tuas lágrimas.
Vou começar a queda com a dor suspensa nos asas dos lábios que seguram o grito em vácuo.
Todos os passos chegam para chegar ao mesmo destino. Cair.
O corpo sucumbe o zunido persistente que habita o interior da minha resistência.
Minha voz não tem som. Se tentasse falar, soariam notas de um piano que se desafina no preciso momento em que embate de encontro às rochas do tempo já sido.
Percorrem-me palavras arrepiadas pela pele do corpo. Sinto-me prestes a sangrar, por dentro. A chorar, por fora. A cair, simplesmente a cair.
o que queres de mim
é o que habita o lado errado de quem eu sou.
a perversão. a sujidade. o odor a fel, a sexo, a cinza e a lodo.
o que amas de mim
é o que reside no lado errado do que precisas.
a mão que fere. o olhar que nega. a pele que arrepia. o dominar do tempo. o espaço ocupado com todos os balaustres da tua forma. as paredes pintadas de negro. as feras à solta nos dedos. os gritos obscenos velados no silêncio da indiferença. a ternura que mente.
queres que seja o que desejas que eu não chegue a ser.
só sendo o que não deveria ser poderei ser o que queres que seja.
o fosso. o abismo que te invoca à queda livre até
que embates na realidade do que não te posso ser e me deixas
despido
devassado
desmembrado
no golpe fatal que repousa,
sereno, omisso, desalmado, silencioso,
na profundidade atroz das tuas mãos.