23/03/2023

sou o que resta do naufrágio. 

morro na solidão da madrugada, num canto deixado à sombra na praia. tal como os animais de água que perdem o rumo. como todas as coisas que naufragam no alto mar. como todas as peças que se perdem. encalhada nas rochas. 

tenho a boca cheia de água. tenho o ar cheio de água. tenho a pele encharcada. tenho os braços abertos. como todos os pássaros que morreram dentro da minha voz. de asas abertas. de mãos fechadas. com as penas negras nas letras das palavras. 

devia ter mantido o silêncio no segredo e ter aberto as mãos enquanto fechava os braços. vai fazer sempre noite dentro da água que se me arrasta no sangue. vai ser sempre sombra no lado mais recôndito da praia de calhau negro. 

sou o naufrágio do que resta. 

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