19/12/2018

pRaça

Respiro a humidade que abraça a noite. Penso em ti. Em mim. No que ficou por saber.
O tempo foi a lâmina que se atravessou no caminho que nos uniu. Que nos despedaçou. Que nos cravou na pele o nome de cada uma das angústias que nos definiu. 
Sinto como o frio te atravessa a pele. Sentado no jardim. A escutar o silêncio que chega quando a noite cede ao peso do mundo. Tu e eu sentados de costas, com o jardim a desvanecer na memória que nos veio a atraiçoar.
Somos lágrimas feitas da mesma areia. Areia caída do mesmo deserto. Deserto sabido em cada alma. 
Somos o mesmo lugar sem lugar. O mesmo tempo sempre sem tempo. O mesmo espaço por completar.
Tu e a sombra de mim defronte das árvores cansadas do inverno. À espera de um milagre. À espera de uma nova noite.
Eu, de frente para ti, sem que me vejas. Sem que me oiças. Sem que te apercebas que, na verdade, nunca saí do mesmo lugar. 

09/11/2018

Mapa Mundi _ mais ou menos isto

"o amor não é compaixão
o amor não é comiseração
o amor não é dedicação

o amor é franqueza
o amor é disponibilidade. 
e é tudo. "

"Mapa Mundi" - teatro
Companhia Maior
CCB

in(F)Verno

Há um odor a desenhar-me o abandono por dentro da alma. Cheira a cinzas e a morte. Sabe a fel e a desamor. Sabe ao desespero que vem quando o inverno queda sobre os ossos da terra. Há um sabor a dissolver-me por dentro enquanto a náusea me acaricia, enquanto as vísceras me atormentam e se elevam até à língua para depois cederem à gravidade que me empurra de encontro ao húmus. Sou como uma folha de plátano esquecido na rua deserta a apodrecer na chuva que parou de cair. Sou, neste exacto momento, o lugar onde reside o sofrimento inteiro enquanto as paredes se encerram. Sobre mim. Enquanto me dilacero nas tuas palavras. Enquanto me assassino na tua angústia. Enquanto o teu desespero me encurrala e o meu me faz cair. Há um desenho a abandonar-me no odor da terra. O desenho de meu corpo a desaparecer angústia de ser eu, aqui, agora, a saber que a vida está no fio ténue de uma linha de seda que este in(f)verno vai fazer, em breve, desaparecer. 

05/11/2018

aBandOno

Toca-me. Na pele. Devagar. Sem pressa. Na ponta dos dedos. Lambe-me. A pele. Sem tempo. Na ferida aberta. Segue-me. Sem correr. Na ferida do tempo. Sente-me. Sem temer. Na esperança de recomeçar. Guarda-me. Sem creres no milagre que te abençoa. Desfaz-me. Sem amor. Até te saberes em chaga. Guarda-me. Na escuridão da noite. Até te saberes perdida. Perde-me. Para sempre. No dia em que me conseguires deixar. Toca-me. Na pele. Até poderes partir.

ad EterUm

Esperei como se esperar fosse tudo o que podia fazer.
Esperei como se parar fosse apenas o que podia querer. 
Esperei como se chover fosse a única possibilidade.
Esperei como se fosse um não lugar.
Esperei como se esperar fosse tudo o que poderia ser. 
sou o lugar em que te moves
                                                  sem medo
o espaço em que te encontras
                                                  sem tempo
o momento e que sangras
                                              sem segredos
o tempo exacto em que paras para respirar

cisNe

Sento-me na beira do monte a ver a chuva cantar. A terra húmida sobre os dedos, o céu em pranto e eu a parar. Sento-me na beira de mim enquanto o monte cessa de dançar. Morrem as flores e os pássaros. Canta um cisne que só a mim é permitido ouvir. Sento-me na chuva que não cessa de cair até encontrar o abismo aberto em mim - cheio de terra por dentro, lodo e lama e húmus - e choro sem parar até aí por dentro me deixar cair. 

inoMinávEl

Há um lugar em que não te encontro. Vejo-te mas não te sei. Sei-te mas não te toco. Toco-te mas não te sinto. Sinto-te mas tu não estás. 
Há um lugar em que quedas infinitamente longe e onde eu não consigo - jamais - chegar.
Há um lugar em que não é possível eu existir contigo. Não lhe sei o nome. Não lhe encontro a origem. Desconheço como lá chegamos mas sei, como se sabem todas as coisas que queimam a alma por dentro, que é ao lugar a que este caminho nos conduz.

qImEra

pensei que podia olhar-te nos olhos sem ter medo. que podia falar-te no tempo sem ter pressa. que podia juntar as palavras mesmo sem tinta.
pensei que podias ser o lugar em que o tempo cessava e recomeçava a contar. que pegava nas peças e reconstruia os lugares. que pegava nas asas desfeitas pelo pó e retomava o voo.
pensei que serias o lugar onde me encontrava depois de me ter perdido. o espaço que me recebia sem me ter. o tempo que me sabia sem me saber.
pensei que podia olhar-me nos olhos sem ter medo. que me podias falar sem que o tempo terminasse.
mas não chegou o tempo
e o deserto não me devolveu ao caminho 
e a quimera desfez-se.

cAsa

seguras o silêncio que se apodera da casa quando ninguém está por perto. ficam os fantasmas a deambular nos espaços vazios a insistir nas memórias, a recriar os lugares antigos.
guardas o que esperas que não regresse a ti no lugar mais antigo a que consegues chegar e disfarças a tua existência com o que fica ainda por vir.
deixas-te seduzir pela tua distância até poderes esquecer que existes aqui.
desapareces, lenta e minuciosamente, enquanto a casa adormece nos braços dos que partiram na distância e se mantêm esculpidos na tua melancolia.  

oPositE

Troquei tuas mãos pelo asfalto.
Fui à procura da chuva quando o vento te trouxe do deserto e parti na direcção oposta
- não - 
errada
- não - 
oposta.
Troquei tua morte pela minha exaustão
- não - 
pela tua solidão
- não - 
pela minha eterna aniquilação. 
Perdi-me do caminho.
Perdi-me no deserto que havia dentro de ti
- e agora - 
não posso mais regressar.

19/09/2018

juNho

dispo-me da angústia enquanto sangro por dentro dos teus dedos.
cais como chuva sobre minha pele. 
guardo teu odor dentro da minha alma e por dentro de minhas mãos até o dia terminar de existir por entre a memória-cada vez mais vaga - que sei ser a imagem de ti.
dispo-me de todas as imagens enquanto escorrem meus dedos na chuva do teu sangue. 

17/09/2018


rasga-me na chuva até não soçobrar nada que seja audível

fOliE

toco-te na ponta da língua.
levo os dedos até ao fim do teu delírio e quedo.
há um vazio incomensurável dentro deste teu innuendo
um abismo que te separa do lugar onde eu consigo ser o que posso ser.

toco-te na ponta dos dedos
lambo-te a pele até te desfazeres em pó, até te aniquilares em cinzas, até te encontrares inteira. de verdade.
c'est solement la folie.

c'est toi qui va dancer sur la nuit et sous cet oubliance
c'est moi qui est en train de disparaitre a cause de mon angoise.


je vais rester sur le chemin que je connais. je te vais laisser partir, a ton vide, sur mon abime, jusqu' a la folie que reste en moi. 
a verdade é
que vai sobrar muito pouco de mim
quando tu chegares ao fim

16/09/2018

esTrAda

Começo a caminhar sem ter nenhuma intenção de parar. A pele de meus pés geme sobre o asfalto enquanto o verão devora a estrada. Finjo não ouvir. Escolho não sentir.
Começo a correr a tentar desafiar o vento. Falho. Necessariamente que fracasso. Reduzo o passo. Retomo o caminho na lentidão da dor que ignoro. Carrego no peito a certeza de que não chegarei a lugar algum. Carrego-me na certeza irredutível que não tenho mais lugar aqui. Consola-me saber que posso não chegar. Que me permito não chegar.  Que escolho continuar a andar sem ter onde chegar. 
Espero que as chagas me ocupem o corpo inteiro. Que o sangue jorre até findar. Que minha pele se desfaça na estrada, até não sobrar nada de mim.
Continuo a caminhar até que a estrada tenha, sem si mesma, um fim. 

UltIma

Ouço o canto negro das gaivotas. Cheira a morte. À impossibilidade do retorno. Como se a morte fosse o lugar final. O último reduto. Igual para todos, sem excepção.
Meu corpo não se move. Desde há horas que não me consigo mover. Sei que ainda respiro. Que ainda respiro por dentro. Mas nada em mim se move. 
Tenho os olhos fechados e as mãos abertas. Espero que tudo aconteça. Espero que tudo ocorra fora de mim. Para eu não saber. Para não sentir. 
Ouço o canto negro por dentro de mim. Num bater de asas. A abraçar-me na voz. A tocar-me na alma. A invadir-me na pele. A agrilhoar-me no respirar. 
Tudo acontece, afinal, em mim. Por uma última vez. Agora que não me consigo mover é que tudo acontece em mim. Como se não houvesse outra forma. Como se deus não tivesse outra forma de me dizer que já não respiro por dentro e que tudo me chegou, num só canto, às minhas mãos abertas. Pela última vez. 

28/08/2018

cOmo Se

O tempo escorre-me na pele. Secam os lábios e os dedos no calor da insanidade. Perco-te no momento exacto em que te sinto. Perco-me na certeza de não haver retorno desta levada. 
O tempo chove-me nos dedos e no pensamento. Corro atrás de ti como se fosse a última possibilidade de te perder. Como se não houvesse alternativa e tudo se tornasse a razão única de ter chegado até aqui. 
Escorre o tempo por dentro de mim enquanto morro lentamente. Seca-me a alma no momento em que te perco em definitivo e o tempo se torna uma parte inteira da chuva que me ensandece.

cOrpUs

Meu corpo é o lugar em que respiras. em que retomas o lugar da queda sobre o teu abismo. em que te reencontras. em que te esqueces, 
por um momento efémero,
do que és antes de chegares aqui.


mAio

navegas-me na pele até eu ser só sangue.

desfazes-me no tempo até eu ser só tinta.

arrasto-me no lugar de ti até eu ser só pó.

ficas a inundar-me a alma até eu ser só angústia.

16/08/2018

NieNte

Não te reconheço no lugar em que o abismo que se abre entre o que somos me conduz ao delírio.
Escrevo as linhas que se apagaram de minhas mãos. Escrevo nas mãos que desapareceram nas linhas em que me esculpi até ser.
Não conheço este lugar de não encontro entre meu caminho e o teu. 
Não me reconheço no que é esperado de mim e não sei como ser de forma a que eu não aconteça desta forma em mim. 
Quero erguer-me sobre as labaredas do que se arrasta na minha mágoa até terminar em cinzas por sobre a terra molhada. 
Não te reconheço no lugar que resta na angústia de ser o que sou e não escrevo as palavras que podiam caber nas linhas em que desapareço.

29/07/2018

desenho-te na linha do vento. junto ao mar.
procuro encontrar a razão do momento exato em que me viste nos resquícios do que sobrava de mim.
senti o silêncio inteiro dentro da tua voz e tudo o que era o resto do mundo cessou de existir.
guardei na ponta dos dedos a memória do teu lugar para nunca me perder de mim.

soLitudiNE

desvaneço no canto triste de uma gaivota enquanto a manhã é ainda deserto
Sento-me numa aresta do tempo a imaginar o por vir.
Não espero que nada me dilacere.
Não temo o vento que me leva sobre asas sem conhecer, ao certo, o chão do meu caminho.
Vejo tudo o que o acontece em mim tão claramente como se voasse sobre a água.
A praia está deserta de memórias de mim e sou eu quem a desenha nas linhas do horizonte que cabe, por inteiro, nas minhas mãos abertas.
Inalo o sabor do tempo enquanto defino, de novo, um sentido para continuar.
Permaneço no lugar exato em que me encontrei e remeto a escuridão para o silêncio que se entrega às coisas que não sabem ser livres.
Evado-me no ruído dos outros e encontro tudo na liberdade que abraça o meu único segredo.
Desfaço-me do que fui antes de ser aqui.
Despojo-me do que resta de tudo o que não me toca.
Guardo na memória o momento exato em que tudo mudou por dentro e o mundo inteiro se tornou um lugar que só eu conheço visceralmente.
Talvez tenha construído um lugar que me sustêm nas madrugadas em que a noite me conduz tão lentamente que demoro a sentir que o deserto terminou. Mas sento-me na linha do horizonte e não temo nada do que me espera a seguir.

28/07/2018

Tocas-me na voz ate me encontrares inteiro nos fragmentos da minha tão breve existência

13/05/2018

és poema que nasce 
e desaparece

que se faz
e me desfaz

que começa no lugar exacto
em que tudo pode terminar

e que termina no momento
em que a chuva cessa de chorar.

beAst

Sento-me no silêncio escuro a ouvir a besta que respira dentro de mim.
como um lobo ensandecido. como um demónio.
como uma tempestade em que navego até me afundar por dentro.
Sento-me no escuro a mergulhar por dentro do silêncio até que nada aconteça dentro de mim.
Choro em silêncio o mar inteiro onde naufrago 
em silêncio. por dentro. no escuro. 
a tentar silenciar a besta que vive em mim e me dilacera sem piedade.

pRantO

é meu pranto que o sal das ondas esconde quando a praia inteira está a arder.
estou a arder.
por dentro.
a chegar às cinzas.
de novo.
perdi-me no caminho. 
de novo.
agora ardo como se morresse, choro como se me desvanecesse em sal, canto como se fosse hoje
a última vez.

21/02/2018

Seguro-te na tristeza que chega com os dias do fim da chuva.
Ouço-te no pranto do vento quente que nos persegue nos sonhos cansados.
Escrevo-te nas letras que se escondem no silêncio que grita por dentro da distância em que nos perdemos do Norte.
Seguro-te na chuva triste que segreda teu nome até não ser possível gritar mais.

18/02/2018

Ici

dou 
por
mim
a
procurar
por
ti
dentro
da
minha
solitude
enegrecida.





até sangrar.

AnGelus

Fecho o olhar sobre a tua pele. Sei quem sou quando existo em ti, quando respiro em ti, quando me vejo no teu olhar. Fecho a minha pele sob o teu olhar e sei o mundo inteiro a acontecer por dentro de mim. Sei exactamente quem és  quando me seguras por dentro até te recordares que tens de me deixar seguir.