09/11/2018

in(F)Verno

Há um odor a desenhar-me o abandono por dentro da alma. Cheira a cinzas e a morte. Sabe a fel e a desamor. Sabe ao desespero que vem quando o inverno queda sobre os ossos da terra. Há um sabor a dissolver-me por dentro enquanto a náusea me acaricia, enquanto as vísceras me atormentam e se elevam até à língua para depois cederem à gravidade que me empurra de encontro ao húmus. Sou como uma folha de plátano esquecido na rua deserta a apodrecer na chuva que parou de cair. Sou, neste exacto momento, o lugar onde reside o sofrimento inteiro enquanto as paredes se encerram. Sobre mim. Enquanto me dilacero nas tuas palavras. Enquanto me assassino na tua angústia. Enquanto o teu desespero me encurrala e o meu me faz cair. Há um desenho a abandonar-me no odor da terra. O desenho de meu corpo a desaparecer angústia de ser eu, aqui, agora, a saber que a vida está no fio ténue de uma linha de seda que este in(f)verno vai fazer, em breve, desaparecer. 

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