28/02/2021

estou de frente para o espelho a fingir que queria viver uma história de amor. escorrem pela minha pele as certezas da finitude e a angústia das coisas por terem sido coisas que não chegaram a ser senão nadas. vejo e revejo e são apenas sombras o que fica. a casa a meia luz. meus olhos às cegas. 

caminho descalço e sorrio enquanto me forço a convencer-me de que é este amor o que verdadeiramente desejo. uma verdadeira história de amor. antes de morrer, quero uma vida de amor. um momento eterno em que amo e sou amado e mais nada pode ter importância. até que a vida termine e mais nada possa permanecer depois disso. 

dispo-me de frente para o espelho. faz frio nas sombras desta casa. minha pele cheira a tristeza. meus dedos cheiram a sexo e a fumo. meus braços abertos não seguram a certeza que emana de dentro de minha alma e que sabe ao sabor do teu beijo, que cheira ao odor da tua verdade. forço-me a respirar-te inteira dentro do corpo para fingir que te amo. 

serias o crime perfeito. forço-me a acreditar que era contigo que eu viveria a história não escrita de um amor que não desejo. serias a desculpa perfeita. a desculpa perfeita para um amor imperfeito

 pois jamais me poderias amar. 

20/02/2021

amei-te pela primeira vez. 





e foi a última. 

17/02/2021

DùviDa

se amar verdadeiramente é estar disposto a morrer pelo outro

_ como Alceste fez perante os deuses_

então que verdade existe em cada um de nós?

como pode haver verdade se sou um eu que se despoja inteiramente de si para dar o sangue, o ar, a inteireza do ser, por outrem

_ e se me despojo de mim, que valor tem realmente a minha vida _

se a entrego?

se a minha vida então nada vale

_ quando dela me desfaço_

como pode ela ser prova de amor?

sou amor se morrer por ti mas quem sou eu a jusante disso?

se eu não sou

_ou se sou nada porque de mim me deixo ir como se o eu não fosse valor para mim_

que valor podes ter tu em mim se nem de mim eu considero a validade verdadeira da existência?

se sou insignificância, como posso eu valer-te?


amar-te-ei com mais verdade 

_quando morro por ti _

_ou quando te deixo ir?_


tÉnuE

Meu corpo é feito de suor que se transforma em sangue

e

sangue que se reverte em vinho

e

vinho que regressa à uva com que te alimento a vontade.


Deixo que corras para mim 

e

me desfaças em pó

e

que o pó dance no vento 

e

o vento se entregue à chuva 

e

a chuva me leve até ao firmamento. 


Não me importo que me esqueças

Meu corpo é feito da ténue memória de ti. 

14/02/2021

se me mentires, é possível que eu queira acreditar

cometo o erro de segurar as palavras contra todas as probabilidades. conto e reconto. permito que façam eco. que se repitam. que desafiem todas as leis da física. que permaneçam. que não desapareçam. 

talvez eu não queira que as palavras se apaguem. 

ou talvez sim.  

ou talvez queira somente pegar nelas com as duas mãos, virá-las de dentro para fora, inverter o seu conteúdo, desviar o seu sentido, brincar com elas a meu belo prazer. 

ou talvez não. 

hoje escolho decidir mentir a mim mesmo. repetir as palavras que não ouvi cantares e sentar-me, lá fora, no frio da noite do inverno que me habita, até que possa chegar a primavera. 

06/02/2021

pego nos cacos de tudo o que se quebrou hoje

seguro nas mãos fechadas o máximo que consigo 

mas é pouco o que cabe


04/02/2021

 chove sangue por dentro das minhas mãos