16/09/2018

UltIma

Ouço o canto negro das gaivotas. Cheira a morte. À impossibilidade do retorno. Como se a morte fosse o lugar final. O último reduto. Igual para todos, sem excepção.
Meu corpo não se move. Desde há horas que não me consigo mover. Sei que ainda respiro. Que ainda respiro por dentro. Mas nada em mim se move. 
Tenho os olhos fechados e as mãos abertas. Espero que tudo aconteça. Espero que tudo ocorra fora de mim. Para eu não saber. Para não sentir. 
Ouço o canto negro por dentro de mim. Num bater de asas. A abraçar-me na voz. A tocar-me na alma. A invadir-me na pele. A agrilhoar-me no respirar. 
Tudo acontece, afinal, em mim. Por uma última vez. Agora que não me consigo mover é que tudo acontece em mim. Como se não houvesse outra forma. Como se deus não tivesse outra forma de me dizer que já não respiro por dentro e que tudo me chegou, num só canto, às minhas mãos abertas. Pela última vez. 

Sem comentários:

Enviar um comentário