31/08/2015

gIn


Está a terminar o tempo.

Estou aqui a ver a minha vida a terminar. Em redor de mim amontoam-se corpos deformados sob a minha imaginação. Sinto o ácido a correr-me nas veias, a descer-me na garganta, a aniquilar-me (n)as palavras. Pouco de mim resta agora que a vida está a terminar.

Olho para o espelho que me colocam em frente e repenso o passado. O que vivi, o que soube saber em mim, o que destrui, ao que faltei e que podia ter sido.

Remeto-me aos lugares mais distantes da pessoa que fui e acredito que não foi o suficiente. Não fiquei vivo tempo que chegasse para tudo o que me faltava.

Bebi a minha vida em noites devassas e devastadas. Sorvi o orvalho da manhã e a tristeza das noites. Dormi com a certeza de que outro corpo me guardava e também enfrentei o terror da solidão, vezes e vezes sem conta.

Deixei-te. A ti e aos outros para ser só eu e olha no que me tornei. Um corpo moribundo e imóvel sobre esta cama nefasta. A desfazer-me. A morrer-me.  A desaparecer-me.

Está a terminar o tempo. Tenho um gin tónico deitado sobre o copo que me abraça na solidão deste corpo. Sabes que quem sabe que o seu corpo vai morrer, assim tão em breve, consegue conhecer os limites mais improváveis da mais terrível das solidões passíveis de existirem dentro de nós.

Recordo o teu abraço e abraço-me em mim.

Estou a terminar.  Agora não tenho medo mas não tenho mais ninguém aqui.

Terminou o tempo.
 

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