Desta vez talvez vá começar pelo
fim. Pego no término das coisas que foram e começo do princípio. Apago o quadro
de ardósia e mergulho as mãos no giz. Balanço-me sobre as arestas das certezas
incertas e deixo-me cair no chão.
Não importa se faz frio agora. Abro
os olhos e sei o caminho. Recomeço do princípio. Desta vez não vou ter medo. Basta
começar por um qualquer lado, basta acertar o passo. Não vou pedir-te para
esperares por mim nem que teu passo chegue ao mesmo tempo que o meu.
Desta vez vou começar por onde
devo começar. Pelo fim das coisas que podiam ter sido. Pego nelas, com a
liberdade que fica nas coisas que se amam até ao fim dos dias, e farei de tudo
para que não quedem, para que não cessem de existir em mim.
Desta vez talvez vá começar por
mim. Talvez não olhe para trás para ouvir as mesmas melodias. Vou deixar o
lugar em que me deixaste de todas as vezes em que não estavas e vou ser eu sem
ser mais ninguém em mim. Desta vez vou começar em mim para chegar ao lugar em
que tudo acontece.
Não importa se a maré está baixa
e não importa se morro amanhã. Escondo-me por detrás da névoa que a madrugada
encerra sobre si até que o dia desperte dentro do que podemos ser.
Deixa-me regressar a mim. Desta vez
recomeço aqui. Nada ficará ao acaso. Nenhuma letra de nenhuma palavra cairá por
terra. Desta vez eu não cairei por terra.
Sobrevivi às tempestades de areia
que me assolam o deserto que existe em mim. Sobrevivi à ausência do que resta
de mim e reencontrei-me nos lugares dos passos que só a dança pode devolver à
minha existência. Hoje danço sobre mim e é aqui que começo.
Desta vez talvez vá começar do princípio
das coisas que nunca terminaram em mim.
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