07/10/2010

Prelúdio

Parar entre dois mundos: tudo é feito do ser da aparência, a aparência de ser. É vazio atrás de vazio, mentira atrás de mentira, jogo atrás de jogo, manipulação atrás de manipulação, disfarce atrás de disfarce, logro de logro, adulação de adulação, aniquilação de aniquilação, inverdade de inverdade – é uma vazante mal cheirosa e viçosa de nada. Tiramos prazer de nada, sorrimos face a nada, abraçamos nada, adormecemos com nada, acordamos para nada, vivemos de nada. Esta pauperricidade que nos invadiu e percorre o nosso ser em vez de sangue, que usa o pulsar cordial na pujança da vitalidade é a nudez e é feia, para além de crua e de desproporcionada, é asco feito nojo. Nojentos que a morte não dignifica e a vida perpetua.

Onde está a lucerna que tantos e tão antigos proclamaram acerca da humanidade? Que é feito dessa faísca que chispa da fogueira anímica e sustém o universo, no cantar de Orfeu? A conversão euridiciana será sempre a nossa fatalidade e a esperança somente repousa em Cronos, que nos devora, inimbuchável, da nossa miséria feia e de asco.

Sem comentários:

Enviar um comentário