24/07/2010

Debaixo das folhas não há só terra, sabias?
Preciso que saibas isso. Pode ser a última coisa que eu venha dizer.
As pessoas todas se afastaram daqui. Ninguém ficou para me contar uma história, para me olhar nos olhos e saber quem eu posso ser debaixo das folhas.
Consegues ver as linhas que desenhei? Foram a carvão. Consegues ver debaixo da areia? As linhas estão lá. Desenhadas com o que sobrou da madeira queimada. Com o que sobra do fogo.
Estão longe da água. Viste? Conseguiste ver?
Fica só um mais um bocadinho. Toda a gente desapareceu e agora só sobraram as dunas.
Há demasiado silêncio aqui e é quase como se eu também já não estivesse. Já não me ouço. E não posso errar outra vez no caminho. Desta vez não vou saber regressar. Estou demasiado cansado.
Lembras, quando corríamos juntos na areia? Lembras-te do dia em que deixámos de ter medo? Olhámos para debaixo das folhas e vimos o resto. Deixámos de ter medo.
Se pudesses ficar mais um bocadinho, de certeza que não haveria tanto ruído. Não havia tanto silêncio. Podias contar-me uma história.
Sabes... já não está mais ninguém para chegar. Já não há mais ninguém para partir. Eu sou a folha e tu estás além da terra.
Eu vou perder-me agora que não consigo ouvir nada. Não tenho medo desde que atravessámos as dunas a correr e era só deserto que vinha depois. Mas agora estou demasiado cansado para me recordar do caminho de volta.
Mas já não tenho medo de me perder outra vez.
As linhas, se olhares bem, vês que ficaram tortas. Será também o caminho torto? Talvez seja como a linha de água. Confuso, indeterminado, cheio de sal, de espuma, sem direcção definida. Talvez seja preciso errar no caminho. Ainda que depois não se consiga voltar.
Debaixo da terra das folhas há tudo o resto. Tu sabes.

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