19/11/2010

cc II

Quero dormir no lugar onde mais nada possa crescer. Quero deitar-me sobre a areia, não, sobre a terra, não, sobre húmus a apodrecer, e respirar tão fundo quanto consiga.
Quero dormir como se não houvesse mais necessidade de acordar.
Já não suporto o cheiro que as minhas unhas encontram no rasgar da parede. Já não tolero o sangue que me sai negro do cabelo quando me encontro de frente para os vidros. Já não sinto o que resta do meu caminhar nem recordo onde deixei a capacidade de andar.
Quero dormir como se não fosse preciso, nunca mais, voltar a despertar.
Não posso continuar aqui. Nesta sala só há tempo. Neste espaço só há espera. Nesta casa não há nenhum resto de mim para além desta minha sombra a rasgar a parede com as unhas abertas. Aqui só tenho a esperar o que se não pode esperar assim, desta forma. Aguardo que chegues com a pressa dos desesperados. Aguardo que me abraces com a força dos cegos. Aguardo que me beijes num beijo de anjo esquecido num qualquer lugar reservado ao limbo de mim, e me sorvas o que resta do meu respirar.
Se fechar os olhos agora sinto o cheiro podre que vem da minha pele. Talvez estejas a chegar. Talvez eu te encontre debaixo das folhas, da terra, da areia, do lugar onde já nada pode crescer.
Quero dormir e não mais voltar aqui.
Já não estou à espera de me encontrar no lugar em que te deixei. Devasto o que resta da ânsia para chegar até ti ou para que chegues aqui. Se me virem sorrir, sabem que o meu anjo chegou. Se me virem fechar os olhos e desistir saberão que ele está perto o suficiente.
Por favor, vem depressa. Não consigo mais estar aqui.

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