24/06/2010

estória VI

Alisa. Envelheceste, foram os anos que passaram, a correr caminhos acima e abaixo da tua altura. A lua subiu e desceu tantas vezes banhadas pelo sol e tantas outras se escondeu, aninhada, pela terra. Sabes que está próximo. Que é hoje, que é sempre hoje e não amanhã, e nem poderia ter sido ontem. Olhas-me ainda, vives-me ainda, para seres depois de mim. Acalentas o limite do teu corpo como um enamorado apaixonado no desejo de desejar, e sabes no gesto da carícia a fronteira. Alisa. Foi o tempo que se escorreu ao longo do teu corpo, moldando a erosão das lisas arestas das curvas desenhadas. Arrastas os teus pés no peso de os mover. Peso. Seguras-te a pretexto em cada toque dado em cada recanto. Pretexto. E o ar puro no fôlego que te insufla os pulmões. Fôlego. E são tão pequenas e tão longínquas as tuas sete vezes, os teus punhos, o meu sangue, a tua violência, o meu silêncio, a tua e a minha de tudo e de nada. Alisa. Envelheci. Fui sendo nos momentos e nas situações; fui colhendo sentidos e significados; fui guardando memórias e aspirações; fui aninhando amores odiados e desamando afectos; fui-me deixando aqui e além. Envelheci, vivi-me: quando chegar a hora estará tudo saldado e não haverá nada para morrer, a não ser a morte. Alisa. Falas tão poucas vezes comigo – dizes-me, silenciosamente – e esse teu comportamento infernal, agressivo é a presença que sempre foi a falta em mim. Esqueço. Hoje esqueço-me regularmente de esquecer, e tudo o que lembro vive na penumbra de um véu diáfano, que de tão presente chega a ser mais do que ser, aparência. Envelheceste.

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