07/06/2010

des.er.to.

Era de tarde, bem ao fim da tarde, quando chegaste.
O caminho vinha de um céu vermelho que mais ninguém conseguia ver.
Teu corpo a mover-se, lentamente, no cair do dia sobre o deserto quente.
Teu vulto a escudar-se de outros antes de embater contra as rochas. Tua sombra a segredar-te esconderijos onde ninguém mais que não conheça a necessidade da fuga pode, vez alguma, saber chegar.
Sombras, sombras, a rodearem-te a pele e os contornos do rosto e a certeza dos gestos certos por desfazer.
Mais uns minutos e já não chegavas a tempo. As ruas começaram a fechar-se sobre si mesmas e a vida a parar no tempo que não chegou.
Passos de dança lançados no vento de olhos fechados como se não houvesse, já, mais nada para ver.
Um deserto inteiro aberto sobre as ruas. Sobre a noite. Sobre o tempo.
Um deserto inteiro aberto em ti onde a areia não se move de encontro ao resto. A areia parada de frente para o tempo.

Era já bem tarde quando chegaste na dança que vem com o vento. De olhos fechados. De mãos abertas. De frente para noite vazia.
As ruas inteiras fechadas sobre o que não chega nunca. As ruas fechadas na certeza de não terem lugar para onde ir.
Talvez, na verdade, não haja nem segredos nem promessas guardados nas esquinas. Nas calçadas. Na sujidade do chão.
Talvez, de verdade, não estejam milagres a aguardar a sua vez nas chuvas cinzentas.
Talvez, em definitivo, não fiquem marcas na areia dos passos que se ousam ensaiar de frente para o calor. Talvez a areia não chegue a ser mais do que essas sombras paradas sobre os pés, sobre olhos, sobre os restos do que resta.
Mas no cair da tarde, de olhos fechados a dançar sob o vento, pode haver lugar a um céu vermelho que ninguém vê.
Se voltares a chegar tarde, não pares de encontro às sombras mas de frente para o tempo. E o deserto aberto em si mesmo vai encontrar um limite que não tem limite nas ruas que sempre tiveram lugares diferentes para onde ir.

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