21/06/2010

Abandono


Podia acontecer não conseguires chegar aqui.
Pode suceder-se que nada chegue a chegar aqui.
Enquanto esperava na margem do rio vi como a noite caiu sobre o mar. Eu não estava lá mas vi tudo. A maré a mover-se como só os gestos de sedução se podem mover. Eu ali a não ver porque não estava lá. Mas sabia tudo.
Pude imaginar o meu corpo deitado sobre o frio da maré da manhã. A flutuar na vertigem da ressaca que vem com a certeza do abandono.
Fui abandonado aqui. Todos os barcos partiram. Todos os portos fechados por causa das marés. Fiquei só. E é assim que (me) encontro (n)o mundo.
Sozinho. Olho de frente para quem se arrasta de costas para mim e sigo os gestos todos cinzentos pelas ruas fora.
Podia ter acontecido que eu não me tivesse apercebido de rigorosamente nada e agora estava a sorrir a olhar a água. Mas não foi assim que aconteceu. And I will blame myself for stepping inside this fucking hole. I will always blame myself .
Se tivesse conseguido, tinha-me encostado de frente a uma parede qualquer e esperava que chegasses e me devastasses com os dedos. Com a língua. Com a boca inteira. Mas nem sequer me lembro do teu nome. Nem consigo recordar a que sabe o teu odor.
Tudo podia ter sido de maneira diferente se eu tivesse estado no sítio certo. Agora não estava aqui. Não estaria aqui. Tudo teria sido bem mais simples e provavelmente ainda me lembraria de ti.
Todos os barcos partiram. Estou despido de frente a esta parede, cinzenta, e as tuas mãos não chegam. Acontece que tu não conseguiste chegar aqui. Acontece que nada chegou a chegar aqui, ao sítio onde eu sabia que já não estava mas onde ainda me encontro absolutamente só.
Podia ter acontecido tudo de outra maneira. Mas não fui capaz de mais.

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