15/12/2009

Um texto inacabado I

{Um rasgo de cegueira}

ver, além da lucidez do sagrado e da mistificação do profano, que há sentido na miséria e na nudez de ser, sem mais nada. E esse mirar, dado nos dias de serena acalmia ou no auge exponencial de uma tempestade, impregna – dirias – a alma por dentro e corre, bombeado e repetidamente, ao longo do corpo, num calmo alarido de surdez – foram várias as vezes que nos falamos ou as vezes que falaste no meu silêncio ou o meu silêncio falou na tua ausência ou a tua ausência foi presença mais que perfeita em mim – de não poder ser de outra forma, senão esta, dada aqui, até ao fim. E tudo o que percepcionamos – limado pela protuberância da íris na equação exponencial da perspectiva – é moldado à forma que somos, às nossas curvaturas rectilíneas e às nossas rectas sinuosas, privado de ser e munido de aparência – demorei mais tempo do que o costume para subir à terra do centeio, fiquei parada no lanço que escancarou o mirar à largura do horizonte; e nessa linha que suspende e separa o tempo da eternidade, vieste na tua ausência e quando me alcançaste, já não era eu que estava, mas tão-somente a minha presença a exalar a minha ausência; digo-te, no sussurro lançado pela neblina matinal, que ver e ser são modalidades sem distinção: vês o que és ] e [ és que vês – e o meio é o lanço onde me demoro.

1 comentário:

  1. "há sentido e miséria na nudez de se ser, sem mais nada"...

    quem chega a quem já ausente está ausente é em si mesmo pois não encontra presente o lugar onde podia terminar...ter alguém ausente na ausência de nós pode ter sentido na miséria de se ser tão pouco mais do que isto.
    Que o texto continue, por favor.

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