11/10/2009

questioNamento

Todas as manhãs o corpo reage da mesma forma. Esforça-se por iniciar o percurso da existência quotidiana e responder a todas as exigências impostas.
Nunca questionamos se o queremos fazer. Seja o que for que fazemos, fazemo-lo sem ter a real noção de que estamos, efectivamente, a fazer uma determinada coisa. Não nos questionamos.
A nossa existência, em última análise, pode não chegar a ser muito mais de que um conjunto variado de actos, de gestos, de acções previamente determinadas, apreendidas e reproduzidas no rigor exacto da exigência que o momento em causa imponha.
Se tentarmos desconstruir todos os nossos movimentos desde que o corpo se levanta e a mente desperta para as razões do mundo, ficamos quase sem reacção face às nossas acções.
Agimos em conformidade com o ambiente. Encolhemos se faz frio, rimos de vermos uma coisa bela, tocamos se precisarmos compreender melhor, seguramos para não deixar cair, vestimos por obrigação, comemos por necessidade ou rotina, respiramos inconscientemente embora em menos quantidade do que o que respiraríamos se tomássemos consciência real do acto em si, levantamo-nos para andar, sentamos para descansar, repetimos “olás” e “até logos” e “tudo bens” mecanicamente, sorrimos por obrigação, cantamos para ignorar o silêncio, repetimos os mesmos movimentos no trabalho, acumulamos dores sem dizer nada, sem as realmente sentirmos como tal e um dia estamos deprimidos, calçamos os mesmos sapatos porque nos são confortáveis e precisamos, inadvertidamente, de conforto na nossa vida, fotografamos momentos que achamos importantes ou que precisamos guardar memória porque a memória já nos atraiçoa, tomamos banho não num gesto de catarse mas numa obrigação cultural e necessidade orgânica, defecamos, cuspimos, engolimos, fodemos, amamos ou tentamos amar, seja o que for, seja quem for, bebemos, escutamos, criamos, sentimos, desacreditamos.
Em todos os momentos de um dia, do torno das 24h em que existimos repetidamente dia após dia, não temos noção dos nossos actos. Não temos real consciência do propósito da nossa existência e do que podemos fazer com ela.
As escolhas são tudo o que acaba por nos definir face aos outros, ao conjunto dos outros.
O resto parece que é apenas um acréscimo sem o ser realmente porque antes de ser acréscimo é a base de tudo o resto. É o início. É o começo. Porque não nos apercebemos disso? porque agimos de forma tão mecânica, tão ébria, tão inconsciente?
Seremos seguramente donos das nossas acções quando conscientemente as escolhemos?
E o resto...o que faz de nós?

Não nos questionamos vezes suficientes.
Talvez seja isso que nos permite continuar.
Talvez seja isso que não nos permite melhorar.

1 comentário:

  1. Fotografia exacta do subjectivo que prespassa a nossa inóqua existência ponteada por momentos fabulosos de toques "de midas" onde o ouro é a questão que motiva um andar tropego e tonto que nos consome. Haverá eternidade neste efermidade?

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