02/04/2020

Kv


Começas no momento exacto em que o sol desponta na miragem do prenúncio do dia e terminas quando o corpo te segreda a necessidade de parar.

Guardas em ti o silêncio que é mistério, que é segredo, e que dança nas margens indefinidas (indecisas?) da verdadeira magia de se ser apenas inteiramente seu.

Como se fosses feito de água por dentro, navegas à deriva das margens do rio que defines ser necessário atravessar, até que encontres o lugar de terra - não areia, terra - onde possas, enfim, serenar. 
Procuras e tocas para logo te esconderes por dentro das árvores que cantam nessa terra acre (ou doce?) do teu sul, até que consigas regressar ao norte que te orienta.

És lugar de luz onde a noite aceita repousar como se fosse feita da harmonia mais imperfeitamente perfeita que reside na certeza incerta do que permanece por dentro das sombras. 
Guardas as arestas finas da fé e a rugosidade da distância que vai de ti até ao lugar em que precisas saber-te. E acabas (quase?) sempre por te reencontrar.

Tão claro como a água do rio que te desfaz por dentro, olhas através de ti para evitar ver-te em toda a imensidão do que fica por entre as margens. Evitas chegar ao lugar em que te sabes ser- absolutamente - como se não quisesses saber-te - finalmente - inteiro.

Danças sobre a tua angústia de braços abertos ao tempo que te conduz como um cavalo a correr o vento na terra quente, na esperança (vã?) que o resto do pó que te cobre te abandone e te permita (re)começar.

Amas com a intensidade de quem vai partir e partes com a imensidão de quem precisa parar.

És lugar onde pode terminar a ânsia e onde as palavras cobertas de lágrimas se podem tornar música, e a música se pode fazer silêncio sem medo de morrer. Lugar onde a espera cessa de ser e a incerteza regressa ao lugar reservado às coisas que se podem deixar partir. 

És verdade que se guarda na sombra dos dias e na margem das noites, onde o silêncio acaba e onde o silêncio tem espaço para regressar. 

É lugar onde outros aprendem a respirar e em que lhes seguras, na sua frágil vulnerabilidade - com as pontas leves dos dedos esguios - a amargura da sua inconstância e lhes permites pousar em terra branda. 

Começas o dia no primeiro fôlego de luz e terminas quando o mundo se permite cobrir de esperança e pó de estrelas. 

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