11/06/2022

 Há um calor lânguido que se segura nos poros e desce pela pele. Sem pudor. Sem pressa. Obscenamente.

Segreda-me palavras que não sei ouvir e rasga-me na carne, por dentro. Morde-me na fraqueza e dilacera o que resta de minha triste alma.
Sinto-lhe a língua, lenta e sôfrega, a cantar nos lábios cada gota de suor até eu ser inteiramente água na volúpia de um qualquer rio.
Corro sempre para sul. Caio sempre virado para sul.
Escrevo despedidas em pontas de navalha cravadas no asfalto que me prende pelos pulsos e é no calor do sangue que acontece a perfeita devastação de meu corpo.
Temo ter de comecar a respirar agora. Faz demasiado calor aqui.
Parece que tudo se vai fazer cinza. Como se tudo fosse desaparecer. Desvanecer. Cessar.

Mergulho no rio que me leva na corrente. Já não procuro formas de lutar contra a efémera incerteza do movimento das águas. Sinto como cada lâmina em cada pedra me leva mais um pedaço de alma e sorrio enquanto me tento recordar de como respirar.

Estou do lado errado do abismo e resta-me desfazer tudo o que sobra, na música que a água entoa enquanto o corpo embate nas pedras e se incendeia. 

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